LI E GOSTEI: MALCOLM X – UMA VIDA DE REINVENÇÕES

MALCOLM X : GUEVARA NEGRO.

“Ele (Malcolm)  trouxe esperança e uma dose de dignidade para milhares de desesperados negros dos guetos”

Rustin

Depois de ler as quase seiscentas páginas de  Malcolm X- uma Vida de Reinvenções, é impossível não ficar com o desejo que os ótimos  livros fazem nascer em nós: o desejo de que todas as pessoas  —  principalmente aqueles negros que não sabem sentir orgulho de sua história e cultura — leiam esse trabalho de Manning Marable.
Essa biografia de Malcolm — um líder que teve em 21 de fevereiro de 1965, numa tarde de domingo,  morte violenta parecida com a de Lincoln — marcará indelevelmente minha alma sexagenária que tinha pouco mais de quinze anos,  na década de sessenta, quando ouvia pelo rádio e jornais os nomes de alguns personagens contemporâneos do biografado: John F. Kennedy, Cassius Clay (Muhammad Ali) , Luther King, Sidney Poitier, e outros.
Enfim, não encontrei melhor resumo desse livro — “Uma obra de arte, um banquete que combina habilmente biografia, jornalismo investigativo e comentário político , segundo o The Washington Post — do que o texto de Eleonora de Lucena, que segue abaixo, na íntegra, para instigar novos leitores.
Capitalismo e racismo andam juntos na história. Discriminações servem para dividir e oprimir grupos. Poucos personagens sorveram dessa realidade de forma tão radical quanto Malcolm X.
De pregador do ódio racial, ele se transformou em liderança pelos direitos humanos, afrontando o poder do governo norte-americano.
Era o período da Guerra Fria, e Malcolm passara a defender os países do Terceiro Mundo e a flertar com as ideias socialistas. Percorrera a África e o Oriente Médio, enterrando o sectarismo cego que o marcara até então. Já não satanizava os brancos nem advogava a criação de um Estado negro separado.
Os meandros dessa transformação são dissecados pelo historiador norte-americano Manning Marable em  Malcolm X- uma Vida de Reinvenções, obra vencedora do prêmio Pulitzer de 2012.
Diferentemente de Martin Luther King, fruto da pequena burguesia instruída e endinheirada de Atlanta, Malcolm X veio do gueto urbano moderno: vivenciou a pobreza, a falta de emprego, a violência, a segregação.
Na juventude, meteu-se em arrombamentos, roubos, furtos, prostituição. Lavou pratos e vendeu maconha. Preso, virou muçulmano. “O crescimento econômico do pós-guerra tinha deixado muitos afrodescendentes para trás”, escreve Marable.
Malcolm incorporou a cadência do jazz ao seu estilo de oratória e levou multidões a aderir ao islã e a protestar contra a violência policial.
Leitor voraz a partir do tempo de cadeia, fazia discursos sobre o legado da escravidão, atacando o cristianismo e o governo dos EUA.
Seguindo a trajetória do líder, o historiador aponta também suas escorregadelas em entrevistas e seus erros estratégicos. Malcolm chegou a ter encontro com a Ku Klux Klan.
O autoritarismo do seu grupo islâmico e a seita de supremacia branca eram lados de uma mesma moeda: racismo e segregação. O pensamento de Malcolm deu um giro quando se aproximou dos embates de seus seguidores e conheceu outras experiências de luta pelo mundo.
Marable observa que o líder percebeu que só teria êxito “se se juntasse ao movimento de direitos civis e outros grupos religiosos para uma ação conjunta. Não se podia simplesmente deixar tudo por conta de Alá”.
Arrependido de ter ridicularizado King em discursos no passado, Malcolm o cumprimentou. O aperto de mãos traduziu a mudança: o líder rebelde trocava a violência pela batalha do direito ao voto.
“União é a religião certa”, declarou. E se autodefiniu: “Não sou antibranco, sou antiexploração e antiopressão”. O historiador afirma que Malcolm tornou-se “uma ameaça ainda maior” para o governo dos EUA após o seu rompimento com a Nação — o grupo islâmico de características xiitas que abraçara na cadeia. O livro, rico em análises, faz uma descrição minuciosa do até hoje não esclarecido assassinato de Malcolm, em 1965. Quatro horas após o crime, o palco onde ocorrera o delito estava lavado para um baile de aniversário.
Marable compara Malcolm a Che Guevara e cita as influências do líder no movimento Black Power e em músicos como John Coltrane. O autor conta que começou a trabalhar na biografia no final dos anos 1980. Desconstruindo a “Autobiografia” de Malcolm, percebeu exageros. Marable concluiu o livro pouco antes de morrer, em 2011.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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