007 : LICENÇA PARA MATAR OU MORRER

44-007

 

“Governar é retificar”

 

Confúcio

 

Segunda semana de um janeiro mormacento, clima de férias, trânsito calmo num final de tarde.
Eu me aproximo da esquina, diminuo a velocidade a quase zero, e automaticamente, piso na embreagem para engatar a segunda.
Mas só deu tempo de pisar no freio.
Parado, numa fração de décimos de segundo, vi aproximar-se rapidamente do meu Siena um misto de jovem com bicicleta.
O vulto em alta velocidade estourou num baque seco, cabeça e peito no capô, e voou sobre meu carro, caindo do meu lado esquerdo após tentativa inútil de segurar-se no retrovisor.
Ainda  imobilizado pelo inesperado do choque, vi um rapaz, sangrando copiosamente, pelos estilhaços do que era, há poucos segundos, o pára-brisa do meu carro.
Automaticamente peguei meu celular e liguei para o 193, depois para o 190: o jovem tresloucado, deitado, lavava a calçada com um vermelho vivo e denso.
O terceiro telefonema, ainda com a adrenalina saindo pelos poros, liguei para minha seguradora: e lá estava, como sempre, o Lourival, presente aos momentos mais complicados de minha vida de cuidadoso motorista, que arrisca todo dia a integridade física e mental nesse mar de loucos e apressados do trânsito de Ribeirão Preto.
Depois de  longos e intermináveis dez minutos,  os bombeiros do SAMU já prestavam os primeiros socorros à vítima que pagava , com sangue , juros e correção monetária, o preço por sua irresponsabilidade ao entrar numa preferencial, sem os devidos cuidados, e, ainda mais, na minha mão de direção: caracterizados excesso de velocidade e desrespeito às normas básicas de trânsito.
Quanto ao Lourival, como um anjo da guarda, corpo presente, cuidou de tudo: boletim de ocorrência, comunicação de sinistro na seguradora, encaminhamento para oficina especializada e providenciou carro  reserva para quinze dias.
Tudo encaminhado resta saber quem pagará pelo prejuízo material.
Com absoluta certeza: eu.
Habilitado há 36 anos, sem ter sofrido uma única multa, segurado, vou gastar com  franquia e perda temporária do meu veículo, porque o ciclista  apressado não tinha documentos, a bicicleta não possuía nenhuma placa que a identificasse, e, com certeza , ele não teria possibilidade de indenizar-me com seu salário de servente de pedreiro, como fui informado posteriormente.
Pergunto: onde estão as autoridades que não coíbem o livre trânsito desse tipo de indivíduos ?
Não seria o momento de se tornar obrigatória a identificação e o pagamento de algum tipo de seguro, para qualquer veículo que transitasse pelas nossas ruas e avenidas?
Esse jovem ciclista, assim como  muitos outros, soltos em alta velocidade e não identificados, são verdadeiros 007, com licença para matar ou morrer: são tão ou mais perigosos que armas de fogo em mãos irresponsáveis e inexperientes.
O anjos da guarda, como o Lourival, só podem amenizar as consequências.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA :
Pois é Tórtoro, é assim mesmo que a coisa funciona.
Meu estimado, parece que em terras tupiniquins só temos deveres, os direitos são para os outros.  Muito bom seu texto, para variar.
Abraços.
Antonio Cassoni

 

 

Caro amigo: é um relato realista e corajoso, do que acontece diariamente em nosso trânsito caótico. Você, como sempre, foi muito feliz na narrativa. Parece até que pude VER o desenrolar dos fatos. Espero que os prejuízos materiais não sejam de monta. O importante é que você saiu ileso, para continuar nos brindando com a maestria de suas crônicas.

Abraços.

Deputado Estadual Corauci Sobrinho

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