É SÓ UM PALPITE DE LEIGO

“Modernamente (e também historicamente)  temos sido campeões de imaginação para soluções parciais”

Cristovam Buarque

Num certo dia, Ely Vieitez Lisboa, que considero uma das maiores escritoras de nossa cidade, escreveu o seguinte sobre meus poemas e textos :  “Tórtoro é matemático. Na sua feitura, no entanto, por engano ou santo descuido divino, misturam-se lucidez e acuidade, muita filosofia, um espiritualismo quase místico e farto lirismo”.
Por isso, mesmo sem ser um estudioso de línguas, ao ler a notícia : “Os erros de Português de um homem ajudaram a polícia a colocá-lo atrás das grades. Há três meses, ele assassinou uma mulher grávida , na frente dos filhos, em Mesquita, na Baixada Fluminense. Logo depois, escreveu nas paredes como cometeu o crime, usando, dentre outras,  as palavras ‘morti’  e ‘voçê’ “, então, pensei comigo: escrever em desacordo com as normas vigentes pode dar cadeia.
O assassino poderia até dizer, entre seus amigos, “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”  —como mencionado em um dos capítulos do polêmico livro, Por Uma Vida melhor, do Ministério da Educação “  — mas,  como em geral, escrevemos de forma muito parecida com a como falamos, erros crassos na escrita, como o acima mencionado,  poderão passar a ser considerados normais e levar nossa Língua Portuguesa à bancarrota.
Muito interessante o que disse Ruy Castro, na Folha : “ De fato, as normas existem para ser transgredidas — mas por quem de direito. Eis alguns que fizeram isso no romance, na música popular e na poesia “ , e cita casos como Guimarães Rosa, Adoniran Barbosa, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, Lamartine Babo , Juó Bananére, pois:  “artistas podem e devem fugir da norma”.
De forma bastante contundente, Marcos Bagno, em seu artigo,  Polêmica ou ignorância ? , deixa claro que “ Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer ‘isso é para mim tomar ? ‘, porque essa regra gramatical já faz  parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma ‘isso é para eu tomar ?’ porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam ‘certo’ e os que falam ‘errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles — se julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la “.
Deixar aos alunos o  julgamento do que é pertinente, adequado e necessário, penso ser  muito arriscado por não terem eles, ainda, o conhecimento adequado de nossa Língua Portuguesa, como acontece com os escritores e artistas anteriormente mencionados por Ruy Castro.
Todos nós, principalmente nesse período de transição entre duas ortografias (em que nem os gramáticos e linguistas se entendem em alguns pontos)  cometemos pequenos erros de Português, mas, é preciso haver regras claras, principalmente quando se trata de ensinar nossa língua para estrangeiros, ou, para quem usa a palavra como ferramenta de trabalho, como destaca Arthur Dapieve, em seu artigo Discordância , no Globo : “ Explico aos alunos ( de jornalismo) que o erro de Português, para não falar no de informação, tem um efeito metastático em jornal, revista ou internet. Fixado no papel  ou na tela, o erro contamina o tecido gramaticalmente sadio que está em volta, levando o leitor à dúvida (‘Se esse repórter não conhece o seu instrumento de trabalho…’), solapando até o mais bem construído dos argumentos, minando a preciosa credibilidade”.
Penso que o maior temor daqueles que se manifestaram de forma até agressiva, diante da publicação do Ministério da Educação, é o de que, de repente, como poucos conseguem falar e escrever o Português culto, alguém tenha a brilhante ideia de abolir a gramática, pois, afinal de contas, estamos no Brasil, um país em que , como diz Cristovam Buarque : “ Falta professor de Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não aprendem, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF passa a legislar. A população fala Português errado, em vez de ensinar o correto a todos legitimamos a fala errada para parte da população sem acesso à educação.  Adotamos dois idiomas : o Português dos ricos educados e o Português dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas. Ao invés de combater o preconceito e a desigualdade, legalizamos a desigualdade”.
Enfim, se em nome de retirarmos arame farpado de entre os que falam de forma diferente, destruirmos as estruturas de nossa ortografia (norma culta), fica a pergunta que me fez um amigo: quando formos, nas  aulas,  ensinar nossa língua para ingleses, franceses, espanhóis, alemães, qual Português deveremos ensinar, caso não tenhamos mais uma norma culta ?

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO

 

ortografia

ARTIGOS