LI E GOSTEI: A GUERRA DO FIM DOS TEMPOS- O ESTADO ISLÂMICO E O MUNDO QUE ELE QUER

O CALIFADO DE PLATÃO

“A salvação chegará do céu, na forma de Jesus — o Profeta Issa”.

Capítulo 7. Apocalipse

Resolvi ler “A guerra do fim dos tempos – o Estado Islâmico e o mundo que ele quer” , de Graeme Wood, para tentar descobrir de onde vem a visão de mundo à prova de realidade, dos que se associam ao EI.
Segundo Adnani — porta-voz oficial do EI o objetivo do EI — o objetivo maior é a formação de um estado (um califado, a única forma de governo aprovada por Deus) segundo o modelo profético, que não reconhece fronteiras, não distingue entre árabes e não árabes, orientais e ocidentais, mas com base na devoção. Sua lealdade é exclusivamente com Deus: só Nele confia, e apenas a Ele teme. Segundo a tradição sunita, esse governo funciona mais ou menos assim: um califa, escolhido por um grupo de elite, exige obediência de seus súditos e, em troca, incumbe-se de implementar com competência a lei (Xaria) e as instituições islâmicas. Se ele deixar de governar segundo a lei de Deus — por exemplo, negligenciando as proibições ao álcool e à fornicação, ou não punindo transgressores como prescrito nas escrituras — seus súditos são obrigados a depô-lo e a matá-lo. Hoje, muitos são cativados pela “promessa fundamental do estado Islâmico de criar uma sociedade islâmica perfeita”. Mas, ainda que muitos estejam dispostos a tolerar as agruras da guerra em busca da criação dessa sociedade perfeita, acabam não aceitando os casos de injustiça, desigualdade e racismo que contrariam todos os princípios que o EI diz defender.
Em Mossul, até recentemente, o Estado Islâmico fez seu califado— uma exigência do Islã, segundo Hassan. A ideia, creio eu, era estabelecer no local um califado do tipo criado, por exemplo, por Omar ibn ‘Abd al ‘ Aziz (682 – 720), o oitavo califa omíada, que temia tanto a punição de Deus que declarou a proibição de acesso a quase todas as fontes de receita do Estado, e, com isso, extinguiu sua própria capacidade de servir-se delas para usos arbitrários. Quando descobriu que seu governo tinha um superávit — havia cuidado dos pobres e doentes, pagado as dívidas dos endividados e dado dinheiro aos jovens para começarem uma família — ele mandou que assassem pães e os deixassem no topo das montanhas para as aves. Não quis correr o risco de que Deus o culpasse pela queda de um pardal.
Por outro lado, em A República, — para mim um “califado” sob a óptica de Platão — idealiza uma cidade, na qual dirigentes e guardiães representam a encarnação da pura racionalidade. Neles encontra discípulos dóceis, capazes de compreender todas as renúncias que a razão lhes impõe, mesmo quando duras. O egoísmo está superado e as paixões, controladas. Os interesses pessoais se casam com os da totalidade social, e o príncipe filósofo é a tipificação perfeita do demiurgo terreno. Apesar de tudo isso e desse ideal de Bem comum, Platão parece reconhecer o caráter utópico desse projeto político, no final do livro IX de A República.
Após a leitura das 400 páginas de “A guerra do fim dos tempos”, fica clara a impossibilidade de existência real, tanto de um califado quanto de uma república igual a de Platão, apesar de, cada um de nós, sonharmos com nosso califado ou república particular, onde os erros dos outros seriam punidos de acordo com a Xaria, e os nossos erros, “julgados” de acordo com o evangelho, ou seja, merecendo sempre o perdão incondicional.
Talvez por isso Graeme Wood conclui na última página: “Depois de dois anos ouvindo os seguidores do EI, passei a vê-los como sonhadores doentios, uma companhia de visionários cujo anseio por significado nunca foi acompanhado por uma capacidade equivalente de distinguir o bem do mal, a beleza do horror”.
Enfim, cito o texto da contracapa do livro: “Por onde passa, o Estado Islâmico deixa sua marca de sangue e horror. Atentados na Europa; destruição do templo de Palmira, na Síria; assassinatos e perseguições em todo o Oriente Médio. Das ruas do Cairo às mesquitas de Londres, tendo percorrido várias partes do mundo onde atua a maior organização terrorista em atividade, Graeme Wood entrevistou seus apoiadores, recrutadores e simpatizantes. Na contracorrente de interpretações que se contentam em associar fanatismo e irracionalidade, o livro de Wood procura dar sentido e coerência à apropriação que o grupo faz do islamismo. A guerra do fim dos tempos apresenta uma compreensão abrangente do EI e da nova geração de terroristas que desafia a vida e os valores mais profundos das democracias ocidentais”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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