SOMOS TEMPLOS DE DEUS
“Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”
( 1Co 3:16 )
Era uma vez um homem: meu pai.
Sai com ele do HC, e ele estava marcado com uma pequena cruz: ele não era judeu, e nem a marca era a dos sobreviventes do Holocausto, mas doeu em minha alma vê-lo assim, marcado.
Naquela época escrevi um poema: Templo Marcado.
Passadas décadas, já vi outros corpos, outras marcas, que me foram tão doloridas quanto aquelas que senti ao ver meu pai.
Vi marcas no meu filho, vi marcas na minha irmã, vi marcas em amigos/imãos: e elas me deixaram marcas terrivelmente profundas.
TEMPLO MARCADO
Do meu livro de poemas : ECOS.
Procuro por Deus ali, naquele hospital.
Como sempre, procuro em tudo os sinais de Sua presença.
Qual o sinal do Senhor em Caim
aquele rosto marcado surgiu, e tocou-me profundamente,
como ferro em brasa, fundo, dolorido,
gravando cruz lilás no mais íntimo do meu ser.
Um apito, qual do metrô, soou.
É dada a partida após o bater de teclas, compassado.
Passando por portas-estações numeradas
de branco em círculo cinza,
um ser humano perde-se nas paralelas do corredor sem fim.
Luz verde-esperança revezando com vermelho-desespero.
Passa a vida, fica a morte neste jogo Cósmico.
E a enfermeira anota em papéis, fichas, esquemas,
sob o ranger das portas que se abrem e
batem, num ruído que ecoa profundamente, penetrando almas.
Alvos corpos se cruzam nos corredores,
qual senhores da vida,
entremeados a sombras azuis que se arrastam,
presas a tubos, ansiedades, dores, calvícies.
O monitor insensível da TV nada vê,
além dos lânguidos corpos assinalados.
E um zumbido-ronco incessante e lento
mascara a ação dos raios da esperança.
Compassados apitos contam tempo-aplicações,
enquanto burburinho de vozes e assovios,
ao longe, encobrem temerosos ressoar, de campainhas
que chamam por alguém, que lembram vida em comunicação.
Novo apito, sai um, entra outro.
O que sai, passa as mãos na cabeça, devagar, tenso,
como a tentar tirar dela doença e pensamentos:
para deixá-los todos naquela sala fria.
Luz branca no teto dos longos corredores
iluminam futuro negro e incerto nas almas que por ali transitam.
E neste contraste constante entre vida e morte,
a semelhança entre ambas apresenta-se clara.
Vida e morte, polos complementares de uma mesma história,
limiar entre finito e infinito na estação-metrô da vida,
realidade imponderável a ser vivida neste nosso Universo,
não importa mais quando e nem como.
Ter, ali já não é preciso nem importante.
Ser, agora, é uma vital luta pela sobrevivência.
Raios Gama, invisíveis, rondam paredes brancas,
E Ele eu vejo, ao lado do Gammatron da Siemens.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br