ARTIGO DE AC TÓRTORO: NÃO CONSIGO RESPIRAR

NÃO CONSIGO RESPIRAR

Olhei para o pátio vazio do colégio.
Nenhum grito de alegria, nenhuma criança brincando: silêncio.
Fui até uma das salas de aula: vazia.
E o vazio tomou conta de mim: um vazio frio e dolorido.
Não existe vazio maior do que uma escola vazia, uma escola sem alma.
Hoje recebi a visita de um casal desejando matricular os filhos. Quando inadvertidamente, estendi a mão, levado pela alegria de receber uma visita: recebi de volta um gesto de rejeição. Não sei se havia terror nos olhos dos pais, ou sorrisos de constrangimento debaixo das máscaras, mas confesso que me senti leproso.
Maldito distanciamento que me faz temer a morte, sem ter dado um abraço na minha filha.
Não estou conseguindo respirar: estou George Floyd afogado por uma desconfortável máscara negra de Zorro sem seu Silver.
Quero dar e receber um abraço — apertado, caloroso, demorado, com tapinhas nas costas e acompanhado de palavras curtas mas significativas —chega de cotoveladas amistosas.
Sou professor de Matemática, e fica impossível pensar em vazio sem pensar no número zero e nos números da pandemia.
Já li, em algum lugar, que não existe número mais carrasco do que o “zero”. Em contas simples de adição e subtração, ele não oferece nenhuma reação, mas quando falamos de contas um pouco mais complexas tudo fica diferente. Um exemplo básico: (35 x 7 + 66 + 5 x 8) = 351. Agora vamos fazer o mesmo cálculo, mas com uma diferença bem pequena: (35 x 7 + 66 + 5 x 8) x 0. Qual o resultado? Exato: seria 0. Sem falar nos estragos quando tentamos dividir por zero.
O Coronavirus está sendo um zero em nossas vidas: apagando tudo de bom que qualquer vida, mais simples que fosse, estava nos proporcionando: encontros no bar, peladas no futebol, passeio pelo shopping, fim de semana no clube, andar pelas ruas e avenidas.
Estamos mergulhados em um sentimento de nada: nada pode, nada é confiável, nada funciona normalmente.
Sabemos que tudo vai passar. Tudo passa: mas está passando machucando corações e almas.
Mas, enfim, pode não parecer, mas a ausência de algo é realmente importante para o mundo. Hoje, seria impossível viver sem o “zero” para contar, o vácuo para tentar explicar o universo e o “nada” que eles representam.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
www.tortoro.com.br

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