“ A mais divina das poesias é a que nos ensina a amar !”
Rodolfo – segundo ato
Nem parece que são passados mais de cento e quinze anos do dia em que , no Teatro Régio de Turim, estreava a obra lírica, La Bohéme, de Giacomo Puccini, sob a direção de Arturo Toscanini, em 1º. de fevereiro de 1896.
A bordadeira Mimi, ou Lucia, continua tímida e frágil. Musetta, por sua vez, continua tão frívola e provocante quando o era no final do século XIX.
Rodolfo , o poeta, e Marcello , o pintor, após décadas, continuam vivendo os mesmos problemas financeiros dos artistas do século XXI.
Depois de cantarolar durante o dia todo, “Che gélida manina, se la lasci riscaldar…” , quando entrei na esplanada do Teatro Pedro II, meus ouvidos pareciam ouvir o ruído de cascos dos cavalos conduzindo carruagens, e o cheiro de excrementos dos animais inundou-me as narinas e murmurei: merda, muita merda a todos os que tornaram possível mais essa noite de ópera na vida cultural de Ribeirão Preto.
Nos intervalos de quinze minutos que intercalavam os quatro atos, eu olhava ao meu redor e via as damas com longos vestidos, acompanhadas por elegantes cavalheiros, sob os olhares dos coronéis do café acomodados em suas frisas luxuosas. Tudo muito diferente naqueles tempos em que não havia televisão, cinema, computadores, e que um dos mais importantes eventos culturais da elite era, justamente, a ópera.
Nessa noite de gala de final de verão, na plateia, quase toda tomada pelo público, os amigos se cumprimentavam com acenos para as galerias, e, após os minutos de intervalo, preenchidos com um burburinho festivo, seguia-se um silêncio sepulcral que era, de repente, interrompido pelo magistral trabalho de Puccini, com sua irresistível sedução, e seu eterno frescor, ora no Quartier Latin de Paris, em frente ao café Momus, ora na Barrière d’Enfer, nos arredores da Cidade Luz.
Vivi, por algumas horas, momentos inesquecíveis que me foram propiciados por um grande amigo que me deu de presente os ingressos para um camarote no primeiro andar do Theatro — de linhas marcantes, ecléticas, com elementos art noveau, art dèco, além de traços neoclássicos, e sob o teto de Tomie Ohtake — onde, ao lado de uma Mimi (minha esposa Lúcia), deixei correr uma furtiva lágrima ao final do quarto ato.
Junto à soprano Yuka de Almeida Prado, como arrojada Musetta e ao barítono Wladimir de Carvalho, como Schaunard, destacaram-se o excelente Colline, do baixo , Sávio Sperandio e, sobretudo, o vigoroso Marcello, do barítono Leonardo Neiva. Os baixos , Benoit ( Claudinei Oliveira) e Alcindoro, (Gabriel Locher), foram excelentes em suas interpretações. O casal de protagonistas foi constituído por um incrível Fernando Portari — um jovem, fogoso e entusiasmado Rodolfo — e uma requintada Rosana Lamosa (esposa, na vida real, de Portari) , que representa uma MImi angelical, frágil e encantadora. E não podemos nos esquecer da alegre participação do vendedor de brinquedos, Parpignol, “ Ecco ! Giocattoli di Parpignol ! “ , gritava o tenor Cleyton Pulzi, no 2º ato, ao lado do Coro Lírico com 50 vozes, sob regência de Claudinei Oliveira e do Coro Infantil, com 20 vozes, regidos por Gisele Ganade, tendo ao fundo cenário de Chris Aizner.
Com montagem e encenação sob a direção musical e artística do maestro Cláudio Cruz, concepção e encenação do roqueiro declarado, o competente Caetano Vilela, não é exagero afirmar que essa interpretação da ópera de Puccini ficará para sempre na minha história porque os mais divinos momentos são aqueles que nos fazem ver personalizado o amor.
Em destaque na 3a. foto, Isadora Talmeli, aluna do 5o ano do Ensino Médio do Colégio Anchieta.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Querido Tórtoro!
Eu não só li a sua matéria como fiquei emocionada com a naturalidade e sinceridade com que você escreve e que sem estar presente pude sentir a força de um trabalho em busca da originalidade da época e que todos unidos fizeram as paredes vibrarem e o público delirar diante de um espetáculo com muito esmero.
Fiquei tão agraciada que tomei a liberdade e coloquei o texto no Facebook com o seu nome, é claro, e com as fotografias que vêm logo abaixo, pois uma matéria desta tem que ser publicada para um número bem expressivo, pois não é todos os dias que lemos artigos que nos levam a viajar no tempo e apreciar o que de belo ficou para traz.
O que vemos são notícias tristes, dolorosas, mas quando se fala de arte tudo muda e as chances ficam para o segundo plano, ou qualquer que seja a colocação, menos o primeiro.
Eu me sinto reconfortada e feliz por estar me inteirando mais da parte cultural de Ribeirão Preto e em alguns eu tenho ido e divulgado.
Obrigada, e fique certo de que o seu texto está digno de um escritor maduro, que tem bom gosto e sabe perfeitamente o que fala.
Às vezes eu sinto vontade de assistir, mas o custo ainda está alto para o meu bolso, pois temos quatro pessoas comigo que apreciam a grandeza da cultura no nosso conviver com a sociedade.
Parabéns e sorte, sabedoria sempre!
Abraços
Regina Machado