LI E GOSTEI: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA E AS ELEIÇÕES 2010

 

“Quem decide eleição não é quem lê jornal, mas quem limpa a bunda com ele”.
Um motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma “treva branca” que logo se espalha incontrolavelmente.
Resguardados em quarentena, os cegos vão se  descobrir reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.
O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar “ a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”.
Nada mais atual nesses dias em que as eleições parecem dividir nosso país em grupos: o dos que veem,  o grupo de cegos que realmente não veem e o   grupo de cegos que, vendo, não querem ver.
Os do último grupo são os piores.
Diante desse quadro, tenho muito medo do futuro que nos espera, porque concordo com a rapariga dos óculos escuros quando ela diz :  Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.
E não sabemos o que existe dentro de cada um dos candidatos à presidência de nossa república.
Recuso-me, porém, a aceitar a ideia de Saramago de que “…o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida, a nossa” . Penso que quem sabe faz a hora, penso que quem vê  — que estuda, que conhece, que se informa diariamente, que acompanha os acontecimentos — e que não pensa somente no imediatismo de seu bem-estar pessoal e  dos que o cercam, tem papel fundamental nessa eleições que poderão determinar o que será de cada um de nós nos próximos quatro, oito, ou até dezesseis anos, dependendo de quem vier a vencer  nas urnas.
É preciso ter cuidado com discursos: “ as palavras são assim, disfarçam muito, vão-se juntando uma com as outras, parece não sabem aonde querem ir, e de repente, por causa de duas ou três, ou quatro que de repente saem, simples em si mesmas, um pronome pessoal, um advérbio, um verbo, u adjetivo, a aí temos a comoção a subir irresistível à superfície da pele e dos olhos, a estalar a compostura dos sentimentos”.
Às vezes, educador e conhecedor que sou da História,  quase toma conta de mim um sentimento que querer ser cego, como a personagem de Saramago : “…é verdade que as força já me estão  a faltar, às vezes dou por mim a querer ser cega para tornar-me igual aos outros, para não ter mais obrigações do que eles ( os demais cegos)”.
Mas,  parafraseando José Régio, penso que não sei por onde iremos, não sei para onde iremos, mas sei que não quero ir pelos mesmos caminhos que levaram a  Cuba e a Venezuela.
Não quero acreditar que “Só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são”  porque prefiro a luz, prefiro a verdade, prefiro a liberdade de escolha.
Ensaio sobre a cegueira é uma lição, e nos ensina que, mesmo nas trevas, numa viagem ao inferno, existe a possibilidade de uma resistência à violência de tempos escuros.
Assim são esses nossos tempos, tempos de escolha, de decisão, sendo o  voto consciente, responsável, o antídoto contra aqueles,  a turma tomada pelas trevas brancas, que pregam que pior do está não fica, e que, quanto pior , melhor:
Nós , que lemos jornais e acreditamos na importância de uma mídia livre e atuante, temos que saber escolher nossos governantes a fim de que os que continuarem não lendo  possam ter com que limpar a bunda.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_10567-1

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