SÓ TEREZINHA: MAS GRANDE GUERREIRA

“Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar”.

Manuel Bandeira

Morrer numa Sexta-feira da Paixão deve ser a glória, depois de bons anos vividos.
Mas ter nascido no mesmo dia, no final da década de vinte, numa cidadezinha perdida no interior, em que guardar o maior dos dias santos era obrigatório e questão indiscutível, deve ter sido dose para Maison nenhuma botar defeito: minha mãe nasceu no dia 29 de março de 1929, e acaba de completar oitenta e quatro anos.
Sabemos que na Sexta-feira Santa, em todo o mundo cristão, os sinos não tocam e o catolicismo, além disso, nesse dia não reza a santa missa. É, portanto, dia de luto integral e não de festa, daí não ser considerado, apesar do nome, dia santo de guarda e ser proibido, canonicamente, comer carne a não ser peixe, e ser obrigatório o jejum a todas as pessoas maiores de vinte e menores de sessenta anos. Chama-se esse dia, liturgicamente, parasceve (para os católicos, a Sexta-feira Santa e para os judeus, a sexta-feira, dia que se preparavam para celebrar o sábado), isto é, preparação, nome que lhe vem dos preparativos que faziam os judeus, nesse dia, para a Páscoa.
No meu tempo as crianças, eu inclusive,  não faziam barulho algum (pelo menos não deveriam) . Chorar assustava. Rir e especialmente rir alto causava terror aos pais e demais pessoas, pois podia acarretar algum mal, pelo desrespeito à data. Aliás, as crianças, todas, viviam cheias de pavores pela Sexta-Feira Santa porque já semanas antes vinham os pais ou as empregadas domésticas matracando no que se podia e não podia fazer naquele dia. E lá vinham, de cambulhada, os castigos e desgostos que a desobediência àqueles preceitos trazia. Para os adultos, ouvir rádio e trabalhar, nem pensar, isso já a partir do meio-dia da quinta-feira.
E minha mãe teve a ousadia de nascer, explodir para a vida,  num desses dias de silêncio total.
Fico imaginando o constrangimento de seus pais querendo, mas não podendo,  demonstrar a alegria que sempre vem junto ( ou deveria vir) com o nascimento de um filho.
No mundo o fato mais importante que ocorreu paralelamente ao nascimento de quem me deu a vida foi o casamento ( um dos cinco) de  Ginger Rogers (atriz , dançarina, cantora de cinema e teatro dos EUA) com  Jack Pepper, segundo o conhecido site de efemérides, Ponteiro.
Mas em Cássia dos Coqueiros (SP) — hoje com menos de três mil habitantes mas com uma linda cachoeira de oitenta e quatro metros de altura —  nascia, para mim,  a pessoa mais importante do mundo: a que me jogou nessa fantástica roda viva em que é possível vivenciar todas as emoções e experiências  somente propiciadas pela existência humana.
Após quase um século, Terezinha da Silva Tórtoro vive agora o inverno de sua existência nem sempre feita de verões e primaveras. Órfã de pais aos oito anos, casou-se jovem. Mulher guerreira, mãos de ouro para bordar e cozinhar, mãe enérgica, esposa fiel, quase não deixa o leito, e quando o faz é sob a guarda do eterno companheiro, Claudio Tórtoro que completará 90 anos em novembro: agora um casal  de  frágeis galhos de antigos carvalhos, trêmulos, desgastados pelas tempestades, esperando ambos pela indesejada das gentes.
Nesse dia de Paixão, Dona Terezinha, feliz aniversário, e que venha a Semana Santa de dois mil e catorze…com paixão.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br
 

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