“Estou convencido de que é preciso continuar a dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto “
Saramago
A sala do Orientador Educacional é quase um confessionário a céu aberto.
Até sua sala chegam informações de alunos, professores, funcionários, direção, mantenedor e pais de alunos, a maioria delas de maneira informal.
Cabe ao profissional de Educação ouvir, juntar pedaços de conversas, apurar fatos e, se notar alguma possibilidade real de problemas à vista, conversar com a direção do colégio e estabelecer procedimentos.
Como o trabalho é feito com menores de idade, todo o cuidado é pouco, principalmente quando não conhecemos os pais e a maneira como encaram informações a respeito da conduta de seus filhos.
Quando existe a confiança na relação pai / escola, a resolução de possíveis / prováveis problemas é encontrada com diálogos abertos e francos, sem que haja preconceitos tanto de um lado quanto de outro.
Mas, infelizmente, não é sempre assim.
Alguns pais, ao tomarem conhecimento de qualquer ocorrência com seus filhos, ficam em pânico, querem provas do que chamam de denúncias, querem nomes das pessoas envolvidas, querem tirar satisfação, ameaçam com medidas judiciais: é um terror.
Esses pais não sabem que as entrevistas com pais e alunos são parte integrante e imprescindível da Orientação Educacional. Com as entrevistas, o O.E. pretende ajudar os educandos a lidar satisfatoriamente com problemas reais. Não entendem que o processo de diagnóstico do O.E. envolve três fases: identificação da problemática, descoberta das causas e indicação do aconselhamento, tratamento ambiental, terapia ou outros planos de ação destinados a ajudar o orientando a obter ajustamento na esfera educacional, profissional ou pessoal. Sendo assim, entendem as sugestões do O.E. para resolução de casos, como palavra final, definitiva, julgamento sumário e não como uma sugestão do Orientador Educacional que apresenta uma possível solução e que podem aceitar ou rejeitar.
Também não entendem que o Orientador Educacional deve guardar sigilo das confidências profissionais ( posse indevida de objetos de colegas, uso de drogas, atividades / condutas não aconselháveis de pais e de alunos, bullying, bulimia, traços de personalidade psicopática) e somente revelá-las (sem permissão do cliente e demais pais e alunos envolvidos) após cuidadosa deliberação e em face de um perigo claro e iminente para um indivíduo ou para a sociedade, isto é, ameaça de suicídio, homicídio ou traição, o que não é o caso na grande maioria das situações escolares.
Existe, ainda, a possibilidade de o Orientador Educacional ser omisso (o que seria uma falha como educador e profissional ) ou seja, ouvir, saber, prever situações, e não comunicar o fato aos pais ou responsáveis com receio de certas reações ( que em nada ajudam a resolver o problema principal que levaria a uma solução do problema que envolve o educando).
Se correr o bicho pega, se ficar…
Foi o que ocorreu com o goleiro Deola , agredido pela sua própria torcida palmeirense , por ter feito defesas incríveis no jogo Palmeiras e Fluminense, o que estaria favorecendo um eterno rival, o Corinthians.
Os agressores não conseguiram entender que Deola é pago para defender e não para tomar gols, mesmo que isso possa não ficar claro para alguns poucos mal informados: é uma questão que implica procedimento ético, moral e de incondicional seriedade profissional.
Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória, não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir, diz Saramago.
E então temos ( psicólogos, professores, orientadores educacionais, e todos que convivem numa instituição escolar) que assumir responsabilidades. Não podemos ser omissos, mesmo correndo o risco de, ao nos preocuparmos com o bem do aluno e com seu futuro, sermos condenados a processos e suas consequências legais, mas nem sempre justas.
Usando um pensamento do próprio Saramago, penso que “o egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do quotidiano, tudo isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental “ de pais e responsáveis pelos nossos jovens “ que consiste em estar no mundo e não ver o mundo ou, só ver dele o que , em cada momento , for suscetível de servir aos próprios interesses”.
Estou convencido de que nós, profissionais da Educação, precisamos dizer não à síndrome de Deola, não à situação atual em que a insegurança toma conta de cada um de nós quando precisamos tomar medidas junto aos pais e responsáveis por nossos alunos, somos, cada vez mais, reféns de pessoas mal intencionadas e seus celulares e canetinhas que gravam conversas que deveriam ser sigilosas ( e, lastimavelmente, com apoio legal , o que transforma tudo numa indústria para quem não tem critérios de dignidade e respeito à pessoa humana, porque desconhecem ações de amor que lhes são acenadas) e que podem , a qualquer momento, ser adulteradas em prejuízo daqueles que dedicam suas vidas em favor da formação integral dos filhos…dos outros.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO