” A música é minha mãe, mas sempre me dediquei ao teatro”
Oswaldo Montenegro
Cantarolei e assoviei o dia todo: ingresso na mão e o coração esperando chegar as vinte e uma horas.
“Eu vou pensar que é festa, vou dançar cantar ,é minha garantia…”
O jogo entre São Paulo e Internacional, pela Copa Libertadores, e o primeiro debate entre os candidatos à presidência da República dividiam minhas expectativas no dia cinco de agosto, o dia mais especial do meu dois mil e dez.
“Se não fosse um tempo em que já fosse impróprio se dançar assim…”
No banho, lavei a alma cantando imerso no vapor : “Quando voa o condor com o céu por detrás, traz na asa um sonho com o céu por detrás. Voa, condor, que a gente voa atrás, voa atrás do sonho, com o céu por detrás…”
Voei o dia todo como o condor traçando a linha de uma paixão de muitos anos pela música de Oswaldo Montenegro.
Vinte horas e trinta minutos, e busco por um estacionamento nas redondezas do tradicional Quarteirão Paulista, já mentalmente rodopiando ao som de bandolins.
No saguão, ansioso, busco informação sobre o local denominado balcão nobre número nove, e subo com minha esposa pelo luxuoso elevador até o primeiro andar.
O espaço é exíguo, com poltronas para quatro pessoas: sinto-me um verdadeiro coronel do café observando os demais espectadores na plateia do segundo maior teatro de ópera do país.
Vinte e uma horas, e britanicamente pontual, tem início o espetáculo.
Apesar dos pedidos para que não sejam utilizadas máquinas fotográficas, a entrada de Montenegro e da encantadora musicista Madalena Sales é saudada efusivamente por aplausos e fleches.
Os versos e a música se fizeram carne — no mesmo palco em que , um dia, se apresentaram interpretes mundialmente reconhecidos —, e teve início a apresentação ao público de “Canções de Amor”, num clima absolutamente intimista.
A partir desse momento, debrucei-me sobre o beiral do balcão e me deixei levar pela magia inigualável de mais de uma dezena de canções que compõem o repertório de um artista que vai muito além dos bandolins, envolvido pela arquitetura de linhas marcantes do Pedro II — linhas ecléticas como o menestrel dessa noite — , rica em elementos art noveau, art dèco, além de traços neoclássicos.
Extasiado sob o teto criado pela artista plástica Tomie Ohtake, eu, um adolescente sexagenário, do signo de Leão, recebia um presente de aniversário.
Enquanto isso, no mundo real, nas telas da Globo, meu São Paulo Futebol Clube era eliminado da Libertadores, e a dupla Dilma e Serra ofereciam, ao povo brasileiro, na Band, um pseudodebate.
Enfim, nada é perfeito, mas, mesmo assim, terminei minha noite como uma criança que entra na roda, valsando só na madrugada, julgando-se amada ao som dos bandolins…
Fotos de Lu Degobbi – Grupo Amigos da Fotografia