BARBEIRO OU CABELEIREIRO ?

BARBEIRO-SEVILHA“ Ah, bravo Figaro! Bravo, bravissimo; a te fortuna non manchera”.

Trecho de O barbeiro de Sevilha

Meu primeiro corte de cabelo foi traumatizante.
Reuniram-se no mesmo espaço uma criança assustada, a mãe inexperiente, um barbeiro sem paciência.
A máquina era uma daquelas manuais que mais arrancavam do que cortavam o cabelo.
Já nos meus quinze anos, e tendo passado por mãos de alguns outros barbeiros não tão marcantes, encontrei o Braz, ali perto dos Correios, no centro da cidade: foi lá que fiz o corte inesquecível do meu cabelo para o Tiro de Guerra que só não foi mais chocante do que a careca depois da entrada para a Faculdade.
Braz era um homem simples, falante pelos cotovelos, gostava de contar causos, e só perdeu o posto de meu barbeiro para minha esposa Lu: cortes que passaram a unir carinho com economia.
Nos últimos 3 anos tenho freqüentado a cada dois meses, o Cabeleireiro Vanderlei, na Marcondes Salgado, centro, no mesmo quarteirão da MEC-Toca, livraria do meu amigo/irmão Dito Caturelli.
Quando entro no salão, Vanderlei deixa de ser o cabeleireiro e passa a ser o barbeiro que corta o cabelo de homem que é homem, fazendo lembrar o desodorante Old Spice.
Vanderlei — um sujeito cabeça feita, legal e confiável — é prestativo como o Fígaro — personagem central de O barbeiro de Sevilha, uma ópera-bufa em dois atos do compositor italiano Gioachino Rossini, baseado na comédia Le Barbier de Séville, do dramaturgo francês Pierre Beaumarchais — mas tem um defeito : é corinthiano.
Meu barbeiro é bem humorado, discreto, respeitoso, profissional competente.
O salão, onde atende somente com hora marcada, é sempre muito limpo, varrido cuidadosamente a cada corte feito e bem freqüentado — lugar de respeito, sem conversa maliciosa de boteco — , inclusive por senhoras levando seus pequenos para cortes que não passam de vinte, vinte e cinco minutos.
Lembrei-me do meu barbeiro ao ler num dos capítulos do livro O professor do desejo, de Philip Roth, quando ele faz uma visita ao túmulo de Kafka, num bairro periférico de Praga.
Durante a visita a zeladora do cemitério — cercado por um muro alto, o cemitério judaico faz limite, num dos lados, com um cemitério cristão bem maior — pergunta para David Kepesh, personagem principal do livro : “ Se o senhor quiser, posso levá-lo ao túmulo do homem que foi barbeiro do Dr. Kafka. Ele também está enterrado aqui “.
Vanderlei segue um ritual — não o mesmo das religiões afro-brasileiras, mas com a mesma seriedade — cada vez que faz minha cabeça: lava, seca, usa com maestria a tesoura e a navalha, passa um creme, penteia, e antes de mostrar o resultado final no espelho, acerta os fios “nervosos” do bigode a das sobrancelhas.
Enfim, nas mãos de Vanderlei, por alguns minutos sou Conde Almaviva melhorando o visual para ir ao encontro de minha Rosina.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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