LI E GOSTEI : 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO

SOLOMON SOMOS NÓS

“Tão importante quanto O Diário de Anne Frank”

Steve McQueen

Devorei em três dias de minhas férias de julho as 273 páginas de Doze Anos de Escravidão, talvez porque, depois de começar a ler essa biografia de Solomon Northup, senti a necessidade de, o quanto antes, me ver novamente um homem livre.
Doze anos de Escravidão narra a história real de Solomon Northup, negro americano nascido livre que, por conta de uma proposta de emprego, abandona a segurança do Norte e acaba sendo sequestrado e vendido como escravo. Durante os doze anos que se seguiram ele foi submetido a trabalhos forçados em diversas fazendas na Louisiana. Este relato autobiográfico, publicado depois da libertação de Northup, em 1853, é reconhecido como a melhor narrativa sobre um dos períodos mais nebulosos da história dos Estados Unidos. Verdadeiro elogio à liberdade, esta obra apresenta o olhar raro de um homem que viveu na pele os horrores da escravidão.
Da mesma forma que Henry Louis Gates Jr, no posfácio — quando comenta o filme de mesmo nome — à medida que o livro se desenrola somos nós a desejar primeiro que ele (Solomon) sobreviva e, em seguida, que recupere sua liberdade. Somos nós que tememos por sua vida. Somos nós que ficamos confinados, como ele ficou. Em nossas esperanças, somos nós que emulamos os peticionários e os signatários das declarações que testemunharam em favor de seu status como homem livre, incluindo sua esposa, Anne. E, ao seguir sua história até o fim, somos nós que ficamos sentados à sombra, determinados a reclamar o que fora perdido, na medida em que isso é possível, tendo sido roubados doze anos de nossas vidas.
O mais surpreende é que Solomon, mesmo diante de tanta dor e sofrendo tamanha injustiça, ele justifica — como dizia uma octogenária Madre, religiosa com quem trabalhei por anos, que seu pai, dono de escravos, pasmem, era muito amado por eles — “Não é culpa do proprietário de escravos se ele é cruel; antes, é culpa do sistema no qual ele vive. Ele não consegue se opor à influência do hábito e das relações que o cercam. Ensinado desde a mais tenra idade, por tudo o que vê e ouve, que a vara foi feita para as costas do escravo, na idade madura não consegue mudar de opinião “.
Também é incompreensível como poderia ter sido Solomon feito prisioneiro, num primeiro momento em: “ Uma casa de escravos sob a sombra do Capitólio ! — Por mais estranho que pareça, perfeitamente avistável dessa mesma casa, soberano em sua colina, onde as vozes de representantes patrióticos, enchendo a boca para falar de liberdade e igualdade e o clangor das correntes dos pobres escravos quase que se mesclavam — Tal é a descrição correta de 1841 da Casa de Escravos de William, em Washington, em uma de cujas celas me vi tão inexplicavelmente confinado”.
Confesso que chorei ao ler o momento do encontro de Henry B. Northup com Platt — novo nome dado a Solomon por seus proprietários — chorei ao imaginar o mundo de imagens que passaram em segundos pela cabeça de Platt: “ Olhei para a direção indicada ( pelo xerife que acompanhava Henry ) e, quando meus olhos pousaram na figura (conhecida nos tempos de liberdade), um mundo de imagens inundou meu cérebro; uma multidão de rostos muito familiares — o de Anne e os das minhas queridas crianças, e o de meu velho pai, já falecido, todas as cenas e todos os conhecidos da infância e da juventude; todos os amigos de outros tempos mais felizes surgiram e desapareceram, voando e flutuando como sombras esmorecentes diante dos olhos de minha imaginação, até que enfim a recordação perfeita daquele homem me voltou à mente e, jogando minhas mãos em direção ao Céu, exclamei, em uma voz mais alta do que proferiria em momento menos emocionante: “Henry B. Northup ! Graças a Deus — graças a Deus ! “.
Então, fechando o livro por instantes na página 242 , pude repetir baixinho com ele, após 12 anos: “ Graças a Deus !“.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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