GALINHADA DE RAVEL
O silêncio da cantina do Colégio Anchieta só é quebrado pelo ruído de copos e pratos, ainda vazios, sendo distribuídos sobre o balcão.
O palco para mais uma tradicional galinhada está preparado.
Por volta do meio dia começam a chegar os convidados.
Os primeiros entram como flautas num Bolero de Ravel, seguidos, logo depois, pelos que chegam como se fossem sons de um clarinete em Si bemol.
De repente mais um grupo de professores que acabam de sair de uma reunião de pais e mestres, vem compor, qual fagote, a música ambiente.
Logo um clarinete em Mi bemol vem se juntar ao evento em forma de professoras do Ensino Fundamental .
O oboé d’amore é um casal de jovens docentes enamorados.
No cantinho da mesa um grupo de trompete e flauta bebem juntos, em surdina.
Abaixo da ampla janela aberta para o pátio, saxofones tenor, sopranino e soprano, chamam a atenção dos ainda, poucos presentes.
Um grupo de crianças, filhos de professores e funcionários, fazem desordenados alardes de trompas, flautins e celesta.
Uma fotógrafa percorre os espaços entre as mesas, buscando as melhores imagens que se mesclam ao som do oboé, oboé d’amore, corne inglês e clarinetes.
São servidas as saladas anunciadas pelos trombones executando glissandos, deslizando não de uma nota para outra, mas de uma mesa para outra.
E as vozes de diversos tons e idades, os ruídos mais distintos, as risadas e cumprimentos, os abraços efusivos, se perdem no burburinho ruidoso.
Então é servida a aguardada galinhada, qual a percussão de um bumbo.
A festa gastronômica continua ao som de pratos e baquetas, de um tam-tam sem afinação definida, permeada pelo ritmo incessante da nossa anfitriã, qual uma caixa clara que não para nunca, do começo ao fim do evento.
Nossa galinhada é assim: lembra um Bolero de Ravel.
Para quem não conhece, Boléro é uma obra do francês Maurice Ravel (1875-1937) escrita sob encomenda para a dançarina Ida Rubinstein. Sim: ela foi criada como um balé e assim teve sua estréia, em 1928. No programa constava a seguinte descrição: Dentro de uma taverna na Espanha, pessoas dançam sob o lustre de latão pendurado no teto. Incentivada pelo público, a dançarina pula sobre uma mesa longa e seus passos se tornam cada vez mais animados.
A proposta de Boléro é bastante audaciosa: uma melodia em duas partes, que se repetem várias (muitas!) vezes trocando apenas de instrumentação, indo de pianissimo a fortissimo num longo crescendo. A cada repetição da melodia, um novo instrumento assume a parte do solo.
Assim é nossa galinhada no Colégio Anchieta.
Uma melodia de confraternização, amizade e respeito.
Cada um que chega é como um instrumento diferente que vem se juntar para interpretarmos o Bolero da família Anchieta, num espaço único em que a riqueza de sons e sentimentos vão do pianíssimo ao fortíssimo, entre o meio dia e as últimas horas de final de tarde, de um final de semana de chuvosa primavera.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br