MEU BULLDOZER – HANDY HANK –NO. 112

RELEMBRANDO-NATAIS-1
Nesse momento, depois da Missa do Galo, ontem à meia-noite, com Papa Francisco na Globo, e hoje, após almoço em família reunindo esposa, filhos e genro, tentei me lembrar de quais os presentes que ganhei nos meus 66 Natais.
Após esforços hercúleos tentando reativar o mais íntimo de minhas memórias dos tempos de criança, só consegui me lembrar de dois, dois únicos presentes: uma capa de chuva e um bulldozer alaranjado.
A capa de chuva, foi meu presente mais frustrante — criança, eu queria brinquedo, mas ganhei o utensílio impermeável para poder ir a pé, em dias chuvosos, para o Grupo Escolar Guimarães Jr — que desfilei pela rua Olavo Bilac, defronte ao números 342, pedindo a Deus alguns respingos que fossem, para amenizar o ridículo da minha situação no meio de outras crianças que desfilavam bicicletas, bonecas, patinetes, carrinhos de mão…
O outro presente é, até hoje, inesquecível, e guardado com muito carinho, mas que não funciona mais.
Um trator movido a três pilhas grandes encaixadas em um compartimento na sua parte inferior que indicava — battery – UM-1 de 1,5 V.
Na parte superior, “dirigindo” a máquina, um tratorista norte-americano, botas marrons, calça e boné jeans, camisa xadrez, tudo em tons de azul e branco que movia freneticamente as alavancas do bólido alaranjado quando a lâmina dianteira, prateada, encostava nas paredes da sala ou nos pés dos móveis.
Nada interrompia a marcha do pequeno trator — de esteira cujo motor dianteiro era iluminado por luzes brancas, e acomodava sob um capô transparente seis pistões e uma carcaça avermelhada — que misturava um tá-tá-tá-tá-tá, metálico e ininterrupto, aos ruídos festivos da sala onde, ao lado do presépio, eu sempre encontrava meu presente de Natal, apesar das dificuldades financeiras que meus pais passavam: a mãe do lar e o pai funcionário do Antigo Banco Construtor de Antonio Diederichsen.
Hoje quando olho para esse pequeno brinquedo, lembro-me dos tempos em que trabalhei na Lion S.A., revendedor Caterpillar no Jardim Paulista, e que nos meus pouco mais de dezoito anos vi de perto grandes máquinas e cheguei a conhecer cada peça delas, nas oficinas e por meio de catálogos em inglês.
Quanto à capa de chuva, ela se perdeu no tempo, e com ela se perderam as lembranças de muitos outros brinquedos, presentes ausentes de Natais que não voltarão mais.
Conta a tradição que a origem do zen-budismo tem como marco uma transmissão sem palavras conhecida, hoje, como “o Sermão da Flor”. Nessa história, o Buda histórico, Sidarta Gautama, teria se mantido por um longo período em silêncio, apenas contemplando uma flor, diante de uma assembléia de discípulos ávidos pelos seus ensinamentos. Momento no qual um deles, Mahakashyapa, irrompeu o silêncio com um riso ao compreender o sentido inexprimível da flor e da existência.
Nesse Natal tive meu momento especial: dei meu riso de Mahakashyapa ao compreender o sentido inexprimível do trator e da minha existência.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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