LI E GOSTEI : O PINTASSILGO

O PINTASSILGO E A IMORTALIDADECAPA-O-PINTASSILGO

“…se nosso segredo é o que nos define, em oposição à cara que mostramos ao mundo, então a pintura(O Pintassilgo) foi o segredo que me elevou acima da superfície da vida e me permitiu saber quem sou”.

Theo Decker

Quando eu soube do prêmio Pulitzer, recebido pelo livro “O Pintassilgo”, de Donna Tartt, imediatamente identifiquei-me com a história que vim a conhecer por meio do artigo de André Barcinsk, na ilustrada da Folha (que em parte transcrevo durante esse artigo, fazendo minhas inserções em itálico) , e porque na minha infância, convivi com um pintassilgo, não acorrentado à parede, mas na gaiola: morreu de velho, quando já não cantava como antes.
“O Pintassilgo” , é uma obra de artista holandês, e como tal rica em preciosos detalhes: “ Bem, os holandeses inventaram o microscópio” disse a mãe para Theo durante visita ao museu. “Eram joalheiros, fabricantes de lentes. Querem tudo o mais detalhado possível, porque até as coisas mais ínfimas significam algo. Toda vez que vir moscas ou insetos numa natureza-morta — uma pétala murcha, um ponto preto na maçã —é uma mensagem secreta que o pintor está te passando. Ele está te dizendo que as coisas vivas não duram — tudo é temporário. A morte na vida. É por isso que se diz natureza-morta. Talvez você não perceba de cara, com toda a beleza e a exuberância, a manchinha de podridão. Mas se olhar melhor — ali está”.
Por isso também é instigante tentar descobrir o que, de fato, Fabritius tentou dizer sobre si mesmo ao criar “O Pintassilgo” , tendo em vista que toda grande pintura é, no fundo,um autorretrato e “O Pintassilgo” foi feita em 1654, o ano de sua morte.
“O Pintassilgo”, livro, da americana Donna Tartt, é um fenômeno editorial, caso raro de livro que agrada tanto ao público quanto à crítica. Esse tijolo — 728 páginas na versão brasileira — vendeu 1,5 milhão de cópias nos EUA e ganhou o prêmio Pulitzer de ficção.
Mas nem todas as críticas foram elogiosas ( concordo com elas) . Algumas publicações importantes, como “The New Yorker” e “The Paris Review”, o desancaram. James Wood, crítico da “New Yorker”, disse à revista “Vanity Fair” : “O sucesso do livro é prova da infantilização de nossa cultura literária, um mundo em que adultos andam por aí lendo Harry Potter”.
Donna Tartt fez um livro grande e ambicioso, com muitos personagens e uma história intrincada ( com muitos detalhes e descrições demoradas) .
Tudo começa quando Theo Decker (apelido, Potter ) , um garoto de 13 anos, vai com a mãe, Audrey, a um museu em Nova York. Há uma explosão, um atentado terrorista, e Audrey morre. Theo escapa dos escombros carregando um pequeno quadro, “O Pintassilgo”, pintado pelo holandês Carel Fabritius em 1654: e mantém em segredo a posse desse quadro.
A tragédia muda a vida de Theo para sempre. Sem parentes próximos — o pai (Lerry) , alcoólatra e viciado em jogo, abandonara a família — ele vai morar no apartamento luxuoso da família de um amigo, onde se sente triste e deslocado.
O livro, com seu retrato cinza de uma juventude destruída, foi comparado a Dickens. Mas em Theo Decker há ecos do niilismo de Holden Caulfield de “O Apanhador no Campo de Centeio”, de Salinger, e das aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, de Mark Twain, especialmente quando Theo acaba em Las Vegas, morando com o pai trambiqueiro, e fica amigo de Boris (russo) , com quem faz uma parceria de pequenos crimes.
O livro é um tanto prolixo, e a história dá tantas voltas que se torna quase um conto de fadas: Theo reencontra uma menina (Pippa) que vira no dia do atentado, envolve-se com falsificadores de arte, mete-se com bandidos e acaba em um tiroteio sangrento. Apesar de exageros, o livro nunca se torna monótono, e a curiosidade sobre o destino de Theo ( e do quadro que dá nome ao título) supera eventuais excessos ( esse é um dos fatores que impediram de deixar a obra durante o percurso da leitura).
Dá para entender por que “O Pintassilgo” fez tanto sucesso. É uma boa história, contada de maneira lúdica e com toques de humor.
Como conclui André Barcinsk (e eu concordo): Se merece o Pulitzer, é outro assunto. Mas esse problema é do Pulitzer, não do livro.
Enfim: “ Ela ( a imortalidade) existe; e continua existindo. E eu (Theo) acrescento meu próprio amor à história das pessoas que amaram coisas belas, e cuidaram delas, e as tiraram do fogo e as procuraram quando estavam perdidas, e tentaram preservá-las e salvá-las enquanto as passavam literalmente de mão em mão, de forma brilhante pelos destroços do tempo, para a próxima geração de amantes, e a próxima”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

ACADEMIAS, ARL- ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS, Li e gostei, LITERATURA