LI E GOSTEI: O HOMEM MEDÍOCRE

TEMPOS MEDÍOCRES

“Esse notável pensador argentino, com sua mente brilhante e espírito superior, trata da mediocridade que se verifica em todas as profissões e classes sociais, que a si próprias muito se valorizam”.

Um livro escrito em 1913, mas atualíssimo: “O Homem Medíocre”.
Atualíssimo, por exemplo, diante dos fatos que ocorrem hoje no Brasil e em nossa cidade: Ribeirão Preto.
“As campanhas eleitorais tornam-se negócio sujo de mercenários ou briga de aventureiros. Os desonestos são uma legião; assaltam o Parlamento pare se entregar a especulações lucrativas. Vendem seu voto a empresas que mordem os cofres do Estado; prestigiam projetos de grandes negócios com o fisco, cobrando seus discursos a tanto por minuto; pagam seus eleitores com destinos e dádivas oficiais, comercializam sua influência para obter em favor de sua clientela. Sua gestão política costuma ser tranquila: um homem de negócios está sempre com a maioria. Apoia todos os Governos. Os servis vadiam pelos Congressos em virtude da flexibilidade de sua espinha dorsal. Lacaios de um grande homem ou instrumentos cegos de seu partido, não se atrevem a discutir a chefia do primeiro e nem as instruções do segundo. Não se exige talento, eloquência ou probidade: basta a certeza de sua afiliação a um grupo. Vivem de luz alheia, satélites sem cor e sem pensamentos, presos à carroça de seu cacique, sempre disposto a aplaudir quando ele fala, e a se levantar, quando chega a hora da votação”.
‘O homem Medíocre” é um grande livro, não apenas para simplesmente ser lido, mas para ser relido, e se ter sobre a mesa de cabeceira, para consulta permanente: infelizmente não poderei tê-lo para futuras consultas porque o exemplar que acabo de ler me foi emprestado por uma amigo/irmão, o escritor e crítico literário Waldomiro Peixoto
Sobre a mediocridade: ”Nenhum homem é excepcional em todas as suas atitudes. Mas não se poderia apenas definir como medíocres os que não se sobressaem em nenhuma. Os medíocres desfilam diante de nós como exemplares de história natural, com o mesmo direito dos gênios. Já que existem, é preciso estuda-los”.
É o que se propõe o autor do livro “O Homem Medíocre”, o argentino José Ingenieros (1877-1925) quando fala sobre valores morais, a inveja, a mediocracia.
Mas Ingenieros é terrivelmente cruel — principalmente sendo o leitor, como eu, um sexagenário — quando discorre sobre a velhice niveladora: “Os fios brancos visíveis correspondem a outros mais graves que não vemos: o cérebro e o coração, todo o espírito e toda a ternura, envelhecem ao mesmo tempo que a cabeleira. A alma do fogo sob a cinza dos anos é uma metáfora literária, infelizmente incerta. A cinza abafa a chama e protege a brasa. A genialidade é a chama; a brasa é a mediocridade”.
O autor — escritor, médico especializado em psiquiatria, psicologia e farmacologia, além de ter-se destacado em sociologia e filosofia — fere, como se com um bisturi, ao constatar que: “A lei (do existir) é dura, mas é lei. Nascer e morrer são os extremos invioláveis da vida; ela nos diz com voz firme que o normal não é nascer nem morrer na plenitude de nossas funções. Nascemos para crescer; envelhecemos para morrer. Subtrai tudo o que a Natureza nos oferece para o crescimento, preparando a morte”.
Apesar de que sempre existem e existirão, medíocres — são perenes — o que varia é seu prestígio e sua influência. Nas épocas de exaltação renovadora mostram-se humildes, são tolerados; ninguém os nota, não ousam imiscuir-se em nada.
Mas nos tempos atuais em que os ideais amornam e se substitui o qualitativo pelo quantitativo, começa-se a contar com eles, os medíocres: “Percebem então seu número, organizam-se em grupos, reúnem-se em partidos. Cresce sua influência na justa medida em que o clima se torna temperado; o sábio é igualado ao analfabeto, o rebelde ao lacaio, o poeta ao prestamista. A mediocridade condena-se, converte-se em sistema, é incontrastável. Os rudes são exaltados, pois não florescem gênios: as criações e as profecias são impossíveis, se não estiverem na alma da época. A diminuição dos sonhos é disfarçada com o excesso de pompa e de palavras; silencia-se qualquer protesto dando participação nos festins; proclamam-se as melhores intenções e praticam-se baixarias abomináveis; falsifica-se a arte; falsifica-se a justiça; falsifica-se o caráter. Tudo se falsifica com a anuência de todos; cada homem põe preço para sua cumplicidade, um preço razoável que oscila entre um emprego e uma decoração. Florescem legisladores, pululam arquivistas, contam-se os funcionários por legiões; multiplicam-se as leis, sem reforçar por isso sua eficácia. As artes tornam-se indústrias patrocinadas pelo Estado, reacionário. O nível dos governadores baixa até marcar o zero: a mediocridade é uma confabulação dos zeros contra as unidades. Cem políticos inúteis juntos não vale um estadista genial”.
Qualquer semelhança entre esses textos e nossa realidade, não é mera coincidência.
Vivemos, sim, tempos medíocres.
Enfim, é como diz o crítico literário, Waldomiro Peixoto, ao final de seu artigo, Da aurea mediocritas: “O Homem Medíocre” é um livro que possui a força do tango, agressivo e arrasador, apaixonado e apaixonante. O leitor não sairá, depois da leitura desta obra magnificamente inquietante, o mesmo.
Vale a pena conferir”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

ACADEMIAS, ARE-Academia Ribeirão-pretana de Educação, ARL- ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS, Li e gostei, LITERATURA