QUEM VIOLA A LEI MERECE TER ADVOGADO?
“E Deus, antes de punir Caim, assegurou-lhe o direito de defesa”.
Gênesis, 4, 9 – 10
No cotidiano, nas conversas durante intervalos de aulas, na mesa do clube, na conversa com o taxista, na sauna, sempre surge a indignação de alguém que defende a ideia de que bandido bom é bandido morto, que corrupto não deveria ser defendido, que matou, morreu.
Mas nem tudo, e nem sempre, as coisas são tão simples.
É muito cômodo querer o perdão para nossas falhas e erros, e exigir a Lei do Talião quando a falha e os erros são dos outros.
Vivemos tempos em que queremos a aplicação da lei e da justiça de imediato.
Também queremos que nossos policiais sejam doces e amáveis com a população ordeira, e violentos com os marginais, mas é impossível para um ser humano ser cordeiro e carrasco ao mesmo tempo: em algum momento, diante de alguma situação as atitudes/reações se misturam.
E é isso que nos mostra o filme Cordeiros e Carrascos.
Cordeiros e Carrascos, de Oliver Schimitz, inspira-se em fatos reais ocorridos na África do Sul (Pretória), em 1987. Um guarda do corredor da morte, Leon Labuschagne, daqueles que acompanham os prisioneiros que serão enforcados, teve um surto e matou sete pessoas numa estrada, todas integrantes de um time de futebol. O caso era cristalino, mas o advogado de defesa, John Weber, contrário à pena de morte, conseguiu transformar o acusado em vítima de um sistema que distorce a personalidade e transforma homens em máquinas de matar. Os condenados rebelam-se, são cobertos de pancadas e há os que vão para a forca em camisa de força. Urinam-se, defecam e ainda existem aqueles cujo pescoço não quebra com a queda da alçapão. Um horror. Mas o filme é um argumento poderoso contra a pena de morte. Para fazer sua defesa dos direitos humanos Schmitz não esquece os direitos das vítimas e isso só torna seu filme ainda mais complexo. John Weber e Kathleen Marais são os advogados, pró e contra. Cada um melhor que o outro. Mas o mais impressionante foi o assassino. No filme, ele tem 17 anos na época do crime, e já trabalhava há um ano no corredor da morte.
Voltando ao Gênesis, naquela primeira tragédia humana, inaugurou-se o direito de defesa. Sêneca, três séculos antes de Cristo, já afirmava que ninguém pode ser julgado sem antes ser ouvido, apesar do registro de diversas condenações em nossa História sem o devido direito de defesa: Sócrates, Jesus Cristo, São Sebastião, Luiz XVI, vítimas da Inquisição e de momentos pós-revoluções.
Enfim, apesar de desejarmos ver Lula e todos os corruptos da Lava Jato, presos em rito sumário, temos que “engolir” que sem o direito de defesa, qualquer julgamento é temerário. Sem esse sacrossanto e irrecusável direito não há ordem jurídica, não há vida civilizada, não há segurança, não há paz.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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