“No princípio criou Deus os céus e a terra”.
GÊNESIS[gallery
E disse Deus no terceiro dia: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi.
E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou de Praia da Vila Mirim – Praia Grande – SP; e viu Deus, e nós também, que isso era bom, muito bom.
“O destino me conduziu para perto do litoral, no mês de abril de dois mil e dezoito. Por dias encaro, afoito, o oceano: iminentes as previsões de Chico, o Xavier, o vidente. Imagino que verei in loco um momento único da História da Humanidade, que dividirá de forma radical, meu passado e presente. Penso: minha vida está, mais uma vez, nas mãos de um Deus Onisciente”.
Apesar das previsões catastróficas de Chico Xavier para o litoral brasileiro na segunda quinzena de abril de 2018, lá fomos nós — Lu, minha esposa; Rod , meu filho; e eu — em abril de dois mil e dezoito, usufruirmos dessa obra divina por seis longos dias – de 12 a 17 – de uma “rotina estafante”: acordar às sete, tomar reforçado café da manhã, pular ondas sob um sol escaldante de outono, para depois tomar caipirinha, cerveja gelada, comer camarão e cebolinha frita, voltar para o paraíso proporcionado pelo Centro de Lazer dos Empregados do Comércio do Estado de São Paulo, e mergulhar na piscina refrescante, almoçar tomando refrigerante servidos na cantina, dormir por duas horas, tomar uma sauna relaxante, voltar à praia para curtir uma cerveja e ler algumas páginas do Sonata em Auschwitz de Luize Valente, retornar à piscina, jantar, ir para a cama ver na TV algum jogo do São Paulo no Campeonato Brasileiro, novela ou BBB18, e…dormir exausto.
Nem parecia que nos últimos três anos havíamos enfrentado uma batalha brutal contra um câncer que, depois de quimioterapias, radioterapias, cirurgias, exames e dores, havia levado, amputado, o braço direito do nosso Rod.
Agora, o mesmo Rod, ostenta, nas costas, um leão tatuado, de Henna, obra de Luana Inconfundível, na feirinha montada ao lado da colônia.
“Quebra o silêncio um grito de criança, um bater de portas, o ronco do motor da moto, enquanto um raio de luz penetra pela fresta da janela entreaberta do meu quarto. Mais um amanhecer na colônia de férias, prenunciando dia de sol nas areias da Praia Grande, sob o olhar atento, protetor, e braços abertos e Iemanjá”.
Mas para quebrar a monotonia, nas areias da Praia Grande existe uma barraca, a da Linda, para onde parecem caminhar, todas as manhãs, em procissão ao deus Netuno, pranchas de surfe, cangas multicoloridas, bicicletas, praieiros, turistas, cadeiras, guarda-sóis, pipas, tudo para satisfação de pequenos prazeres do corpo e da alma: É o lugar mais sagrado do pedaço de areia que divide Cidade Ocian de Vila Mirim onde a orla sorve goles de um mar espumante em eterno réveillon.
“Nos olhos azuis de Iemanjá, o azul do céu, o azul do mar, e o azul das vestes, conduzem à paz.
É azul se perdendo no azul, e de norte a sul, entre a serra e o mar, um momento sublime de harmonia cósmica.
Tudo bem. Tudo certo. Tudo azul”
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Passar o dia nos arredores dessa barraca — a mais aconchegante do litoral paulista — é parte de um ritual que sinto necessidade de cumprir, pelo menos uma vez a cada ano, a fim de recuperar energias necessárias e suficientes para realização do meu trabalho de educador. Ainda na famosa barraca, anjos da guarda — Lucas, Fabiola, Isabel e Luciano — zelam, sempre com sorrisos cativantes, pelo bem estar de quem tem a felicidade de encontrá-las na beira do mar, seja sob sol escaldante, ao sabor da brisa suave e refrescante, ou mesmo quando as nuvens ameaçam invadir terra e mar expondo somente espectros que vagam pela areia ou, teimosamente, se banham no mar em extrema ebulição de ondas.
“Retas espumantes, no tapete azul oceânico traçam paralelas e transversais, sob o olhar escaldante do sol que prevê chuvas e temporais de muita dor. São meus ais e sonhos, traçando sinais e sinas sob o olhar do Criador”.
Visitar diariamente e saudar a enorme escultura de Iemanjá, e estar com o pessoal da barraca Linda é sentir a satisfação inexprimível de poder voltar, mais uma vez, ao mar da Praia Grande, tendo a oportunidade de encontrar amigos que a distância, e os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, não conseguem apagar da memória.
Importante ressaltar que, na oportunidade, os idosos predominavam tanto na colônia quanto na praia, levando-me a pensar que fazíamos parte de um novo Cocoon.
Ao sabor da batatinha frita, ou do camarão a milanesa, dando goles na cerveja gelada depois de abrir o apetite com uma caipirosca, nada é mais prazeroso do que ficar poetando ao ritmo das ondas — ou não pensando em nada — ouvindo o eterno ribombar monótono do mar, somente quebrado pela presença de buzinas de vendedores ambulantes, gritos de crianças besuntadas de protetores solares e revestidas de areia, ou pelo ruído característico do helicóptero dos bombeiros expulsando veranistas mais afoitos que enveredam mar adentro.
“No ritual fantástico da dança da gaivota sobre o mar, um momento único, impar: qual nota musical alada, em pauta de azul sinfônico, a gota viva salta das ondas espumantes rumo ao céu. Ambas brancas, símbolos de paz, ora prateadas sob a luz solar, escrevem num único ato, uma peça completa de amor: mensagem universal”.
E enquanto Deus descansou no sétimo dia, também no sétimo dia consecutivo de sol, mormaço e chuva, qual Anchietas do século XXI subimos a Serra do Mar — sob o comando de Reinaldo, eficiente e simpático guia, e do motorista José Antônio — rumo a Ribeirão Preto, no Marcopolo da Rápido D’Oeste número 14070, para sequência do que resta do ano letivo com muito trabalho pela frente.
Enfim a Praia Grande continua linda. A Praia Grande continua sendo grande: fevereiro, março, abril. Alô, alô, Barraca da Linda. Aquele abraço! Alô torcida do São Paulo, aquele abraço!
Minha família e eu vivemos uma semana de sonhos, em que só faltou…um braço.
Observação: intercalando o artigo, em itálico/negrito, meus textos poéticos, criados à beira mar.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br