FELICIDADE TRISTE

Era madrugada do dia 16 de agosto de 2018: 2 horas e 30 minutos.
Rod jazia na cama do quarto 271 do hospital São Francisco. Tudo estava consumado.

Lu e eu estamos felizes porque, nesse momento, formou-se, espontaneamente, sem nenhum plano premeditado, um cortejo triunfal que acompanharia Rod até o umbral do paraíso.
Abriram a marcha os anjos, arcanjos, querubins, serafins, principados e potestades. Ocupavam o firmamento, de um extremo ao outro, e cantavam hosanas ao Altíssimo e a seu servo Rodrigo Degobbi Tórtoro.
Como Rod sempre amou os animais, as flores, os rios, a natureza, seguiam-no em sua caminhada javalis, lobos, raposas, chacais, cães, gatos, coelhos, hamsters, pumas, bois, cordeiros, cavalos, leopardos, bisões, ursos, asnos, leões, paquidermes, antílopes, rinocerontes. Todos avançavam, em ordem compacta. Não se ameaçavam nem se atacavam uns aos outros. Pelo contrário, pareciam velhos amigos.
Atrás voavam os morcegos, mariposas, abelhas, condores, colibris, cotovias, vespas, andorinhas, grous, estorninhos, tentilhões, pardais, pintassilgos, sabiás, perdizes, rouxinóis, melros, gaios, patos, galinhas, galos. A harmonia entre eles era tão grande como se tivessem convivido no mesmo viveiro, na maior camaradagem.
Mais atrás, iam jacarés, golfinhos, hipopótamos, peixes-espadas, baleias, dourados, peixes-voadores, trutas, lambaris, curimbatás, bagres. Era admirável: os peixes grandes não engoliam os pequenos.
Pareciam irmãos de uma mesma família. Finalmente, encerravam o cortejo as cobras, sucuris, víboras, jiboias, lagartos, lagartixas, dinossauros, plesiossauros e cascavéis.
Enquanto continuava a ressoar, nas árvores do Clube de Regatas, à beira do Rio Pardo, as músicas que Rod amava, todos os irmãos cantavam, gritavam, grasnavam, zurravam, assobiavam, bramavam, ululavam, ladravam, rugiam, baliam, mugiam.
Desde o princípio do mundo, somente na morte de São Francisco — algo igual ocorreu, segundo o livro “O Irmão de Assis” de Inácio Larrañaga, — escutou-se semelhante concerto. Todas as criaturas, de acordo com sua natureza, cantavam aleluias a seu amigo e irmão Rod. E Rod e as criaturas louvavam, em uníssono, ao Altíssimo Criador.
Atrás dessa escolta triunfal, o Irmão Rod, montado num cavalo da Fazenda São João da Mata, antigo amigo seu, o Zorro, levantou voo e começou a atravessar os céus. A porta grande do paraíso estava aberta como nas grandes solenidades. Não tinham aberto essa porta, desde o dia em que Francisco por ela penetrou, dia da Ascensão.
Rod, ao lado de São Francisco, arrastava consigo toda a criação para o paraíso. Reconciliavam a terra e o céu, a matéria e o espírito. Eram ambos chamas que se desprenderam da madeira.
Lentamente, muito lentamente, Rod foi penetrando nas órbitas siderais. Afastou-se, como um meteoro azul, até perder-se nas profundezas da eternidade.

Lu e eu estamos tristes, porque a dor da saudade não esperou muito tempo para invadir nossos corações.

Enfim, estamos vivendo um tempo de felicidade triste.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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