O PASSADO MANDA LEMBRANÇA – VOLUME V – DATA DE NASCIMENTO: 22.05.2020

PREFÁCIO

Segundo Roland Barthes, em seu livro, A Câmara Clara, o punctum é uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver, é aquilo que acrescento à foto e que, todavia, já está nela.
No meu prefácio para o primeiro volume de O Passado Manda Lembrança, escrevi:
“Cento e cinquenta fotos : setenta e cinco de antigos fotógrafos e setenta e cinco dos atuais fotógrafos do Grupo Amigos.
Cento e cinquenta anos de uma cidade e setenta e cinco olhares, reflexões do poeta, sobre fotos que contam um pouco da história dela.
Olhar fotos é perder-se num mar de sensações indescritíveis, reflexões, ideias, emoções variadas , sentimentos indecifráveis.
Observar fotos é como ver lagartas ainda em casulos, pautas musicais intocadas, barcos ancorados, comida no prato, botão que não se abriu, carta sem remetente, pontes, rios.
Analisar fotos é sentir-se fórceps invadindo útero e dele retirando antigas primaveras, frios invernos, romances desfeitos, seios perfeitos, calos doloridos, ogres e unicórnios.
As fotos falam caladas, seus conteúdos esfacelam-se como asas de mariposas ao serem tocadas por nossos olhares mais profundos, elas são cosmos a serem conquistados, vinho a ser sorvido, ar a ser respirado, companheiras de vigília.
Enfim , as fotos são aquilo que você desejar que sejam, caixas de Pandora, cujos conteúdos só dependem da sensibilidade de quem as observa.
Não existem fotografias do presente e do futuro: as fotos reveladas são sempre do passado, um passado — próximo ou distante — que não volta mais.
Olhar e ver uma fotografia é ser todo ouvidos no momento da observação, é entregar-se por inteiro à própria atenção como receptáculo, totalmente vazio, prestes a encher-se com o rico e inesgotável conteúdo dela, é sentir que, naquele momento, poder-se-á atingir a derradeira perfeição na arte de ver.
Mergulhados que estamos hoje, num mundo de imagens invasivas, muitas de mau gosto, que se apresentam e desaparecem aos nossos olhos com a rapidez que só a TV e a Internet permitem, acostumamo-nos a não ver , a não dar a devida atenção a essa multiplicidade de tons e luzes.
Admirar fotos é ligar a alma a determinados detalhes e deixar que eles penetrem seu espírito, buscando encontrar ali a perfeição procurada pelo fotógrafo/artista no momento do flash revelador”.
Agora, pela quinta vez, o passado manda lembrança pelas mãos e lentes do Grupo Amigos da Fotografia de Ribeirão Preto, completando ao todo, nos cinco volumes, setecentas e cinquenta fotos.
Pela quinta vez, foram “garimpadas” setenta e cinco fotos dentre centenas que a Presidente do GAF, Elza Rossato, conseguiu colecionar com a ajuda de pessoas que, da mesma forma que ela amam a fotografia e preservam a história da fotografia ribeirãopretana, guardando fotos antigas.
Pela quinta vez, os fotógrafos do GAF saíram a campo para clicarem momentos semelhantes, registrados pelas fotos antigas, mas com visuais atuais.
Pela quinta vez, participo desse trabalho incrível de preservação histórica, criando pequenos textos poéticos para cada uma das fotos apresentadas no livro.
Desta vez, com textos estruturados na forma semelhante a de haicais, (de maneira geral, haicai é um poema conciso, formado de três versos, no total de 17 sílabas) escolhi punctuns em cada uma das fotos antigas, e contei breves histórias além daquilo que cada foto me deu a ver.
É um exercício que cada leitor poderá fazer buscando ver em cada foto muito mais do que o registro realista, ou a mensagem codificada, não deixando assim a fotografia ser limitada a apenas um registro documental.
Desafio meu leitor a escolher seu punctum particular nas fotos e fazer funcionar o escritor que está escondido em cada um de nós.
Enfim, termino esse meu texto com as sábias palavras do Mestre Roland Barthes: A Fotografia é louca ou sensata? A Fotografia pode ser uma ou outra: sensata se seu realismo permanece relativo, temperado por hábitos estéticos ou empíricos ( folhear uma revista no cabeleireiro, no dentista) ; louca, se esse realismo é absoluto e, se assim podemos dizer, original, fazendo voltar à consciência amorosa e assustada a própria letra do Tempo: movimento propriamente convulsivo, que inverte o curso da coisa e que eu chamarei, para encerrar, de êxtase fotográfico”.

SOBRE OUTROS VOLUMES DE “O PASSADO MANDA LEMBRANÇA” E O GRUPO AMIGOS DA FOTOGRAFIA NA PLATAFORMA VERRI:
http://www.plataformaverri.com.br/index.php?local=voceSabia&mes=5&dia=25&fbclid=IwAR3cALGERmpwtpkuzLnChkC_2vtnU2HChfV3eCrxVldp-DI202P2vFHU-qw
ANTONIO CARLOS TÓRTORO

Ex-presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras
Ex-presidente, idealizador, fundador e Patrono da ARE – Academia Ribeirão-pretana de Educação.
Presidente Emérito do Grupo Amigos da Fotografia de Ribeirão Preto.

SOBRE A OBRA : WALDOMIRO PEIXOTO

FOTOGRAFIA, TEMPO E POESIA

“Cortar uma fatia desse momento e congelá-la (…) toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo”. (Susan Sontag)

Quando me fora solicitada uma contribuição para esta edição de O Passado Manda Lembrança, Edição 2020, fiquei honrado e, eu que não sou fotógrafo e nem vivo de fotografia, também fiquei preocupado sobre o que escrever com a pertinência necessária.

Deu um click! É isso mesmo, deu um click, e isso não é trocadilho. Quem escreve também tem clicks: vou falar sobre tempo!

Por que falar sobre tempo? Porque em literatura, principalmente na narrativa, o tempo é um desafio eterno para quem escreve e esse tema não goza de unanimidade nem entre os mais consagrados escritores ou ensaístas.

Raúl Castagnino, em sua obra Tempo e Expressão Literária diz: “Se o próprio existir, o estar no mundo, implica fundamentalmente na ideia de tempo, de um tempo fracionado em finitude e infinitude, o existir de uma obra literária, pelas razões próprias de sua natureza ficcional, tem como matéria-prima o tempo, que também é essência da memória.”

O escritor pode falar do passado, do presente ou do futuro que tudo o que ele disser é um exercício de sua memória que já ficou no passado. O mesmo processo acontece com o leitor, pois a sucessividade de sua leitura, que recria a seu modo a obra do autor lido no momento em que acontece seu exercício e prática, também acontece na linha do tempo. Neste aspecto, o presente do leitor já é passado. Portanto, tempo presente em literatura narrativa é mais que um desafio; a rigor é uma impossibilidade.

E o tempo na fotografia? Vou me valer do prefácio do poeta e fotógrafo Antonio Carlos Tórtoro para O Passado Manda Lembrança IV, edição de 2017: “poder capturar a ação do tempo sobre as coisas e as pessoas, ficar imaginando como e o que motivou os fotógrafos que registraram o antes e o depois, sentindo-se parte do processo da criação divina (…) capturando imagens para libertá-las inexoravelmente…” Também: “Foto é sempre uma espécie de metalinguagem artística, porque, se a vida é dinâmica, a foto capta um átimo de existência que se cristaliza em pixels por intermédio da visão do fotógrafo.” – negritos nossos.

Algo está acontecendo. O fotógrafo está munido de sua máquina e de sua sensibilidade. Está à espreita de um motivo frente àquele acontecimento, à espreita do momento mágico. A deusa Luz, ali, a contribuir com a iluminação. Como águia, ele aguça o olhar. O olhar manda um comando para o cérebro. O cérebro conduz o dedo que está sobre o botão. O dedo se move – click! O presente é aprisionado, mas também passa! É capturado, mas também foge e vira passado. E o fotógrafo, depois de transformar o instante em arte, tem o poder de perenizá-lo/la e libertá-lo/la, para deleite de novos olhares. Fotografar é magia ou não!?

Possível é afirmar que a impossibilidade da Literatura narrativa é uma possibilidade na Fotografia? Ou que o passado é vital para a primeira como o presente o é para a segunda? Se estivermos falando de narrativas, sim, mas se estivermos falando de poesia, o enfoque pode mudar, a linearidade temporal pode ser substituída por um, digamos, presente universal “atemporal” e perene. Aprendemos com Carlos Drummond de Andrade que “Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina.” (Procura da Poesia). Por isso fotografia não tem palavras, mas é poesia!

Há um momento em que a fotografia e a poesia se encontram e se confundem. Tomemos como exemplo, quando o poeta diz “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta (…) // Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: / – mais nada.” (Poema Motivo, de Cecília Meireles)

Entre os inúmeros gêneros literários poéticos existe um cuja matéria-prima é o instante, é o flash, é o insight, como se fora um reflexo – o haicai. Ele também depende do olhar do poeta. O haicai é um pequeno poema de inspiração japonesa, de forma fixa, classicamente constituído por dezessete sílabas distribuídas em três versos (5-7-5), usualmente sem rima, quase sempre inspirado num instante poético, feito o fotógrafo ao disparar o seu click.

A foto acontece porque o instante existe, parafraseando Cecília Meireles. Então haicai e fotografia são irmãos siameses, cuja diferença reside na linguagem. Um utiliza a palavra, o som e o ritmo e a outra utiliza a imagem, a luz e a iluminação. Há uma faísca, uma chispa, um clarão, um instante, uma magia, uma diafaneidade que o haicai e a fotografia congelam e eternizam. A perenização do efêmero é a matéria-prima de ambos.

Na Edição 2020 de O Passado Manda Lembrança, o fotógrafo e poeta Antonio Carlos Tórtoro teve a brilhante, a sábia, a pertinente e a feliz ideia de escrever haicais inspirados nas fotografias de ontem e de hoje. O casamento perfeito de duas linguagens, de duas formas e um conteúdo: a poesia da fugacidade, do transitório. O resultado é este trabalho magnífico que você, leitor, tem em mãos, tanto no que diz respeito ao trabalho poético, como às imagens do passado e presente, com esmerada qualidade gráfica

É oportuno, para registro deste momento, lembrar Guimarães Rosa quando afirma em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras que “o passado também é urgente.” Por isso a linguagem fotográfica é tão eficiente para nos mandar, na atualidade, lembranças do passado. Esse é um papel que a série idealizada e realizada pelo Grupo Amigos da Fotografia, tem soberba e oportunamente cumprido, com apoio da Villimpress Soluções Gráficas.

Embalada pela poesia das palavras e do olhar, que desafiam o tempo e pereniza o passado no presente mágico, a História de Ribeirão Preto agradece.

Waldomiro Waldevino Peixoto

Presidente da ARL, ocupa a Cadeira nº. 22

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