ARTIGO DE AC TÓRTORO: O SOBRENOME DOS NÚMEROS

 

O SOBRENOME DOS NÚMEROS

 

Sinto que os números, os dados oficiais da COVID 19, em Ribeirão Preto, começam a receber sobrenomes, e quase descobrimos seus CPFs, quando o vírus começa a se aproximar das pessoas que amamos: Oitomilsetecentosesetentaeoito Rossato, Seiscentosecinquentaesete Ozelame ou Duzentasecinquentaetrês Menezes.

Eles não são mais números frios na tela do celular ou do computador, ou ainda nas páginas impressas da mídia.

São reais, parece-me que posso tocá-los com minhas mãos.

A minha primeira amiga/vítima foi a Duzentasecinquentaetrês Menezes. Nem o ar puro das margens do Rio Pardo conseguiram espantar o ataque do maldito “trem” que tem o formato de um planeta e é cravejado com o que se assemelha a tachinhas cor-de-rosa.
O tal vírus não perdoou nem a fotografia: transformou em negativo, por longos quinze dias, a alma colorida de minha amiga, Elza Rossato, Enclausurada com seu amigo, o gatinho Quequél, não podia nem olhar para o portão fechado que a impedia de exercer seu direito sagrado de ir e vir, e de escrever com a luz, como ela sempre amou.

Agora recebo a notícia que alguém muito mais próxima de mim, no dia a dia, que também está curtindo a Azitromicina di-hidratada com Prednisolona e Invermectina.

“Eh! Vida marvada / Num dianta fazer nada…” como diria Inezita Barroso.

Quando abro o portão da minha masmorra, meu castelo, minha fortaleza, de minha casa, logo de manhã, antes de sair para o meu trabalho, olho rua acima e vejo uma saída: a avenida que leva à rodovia Anhanguera. Olho rua abaixo, e vejo as paredes da Igreja Cristo Rei: uma outra forma de saída, a oração.

Fico sempre com a esperança de que não sejam as únicas saídas diante da terrível pandemia.

Ouço Anunciação, de Alceu Valença, ouço o anunciar da aproximação do vírus:  “Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais / Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais…”

Entro no meu Cronos, rapidamente coloco a máscara negra. Aiô Silver !!!

Não ligo o ar condicionado: tenho a impressão de que, se o fizer, entrarão pelas janelinhas paralelas à minha frente, centenas de mamonas minúsculas, mas assassinas: “Mina, seus cabelo é da hora / Seu corpão violão/ Meu docinho de coco / O COVID, ‘Tá me deixando louco…”

Antes de março de 2020 —  “São as águas de março fechando o verão /
É a promessa de vida difícil no teu coração…” — tomávamos um gole de álcool para adquirir coragem: agora enchemos nossas mãos, braços, cabeça, pescoço…ainda de álcool, mas em gel.
As mamonas me fazem buscar nos bolsos da calça um estilingue…para atirá-las nos seus semelhantes, os invisíveis vírus: mas não encontro nada…nem uma dose da “vachina” Ching Ling.
Por debaixo da camisa de mangas compridas, coloco uma camiseta com o slogan #QueroTomarHidroxicloroquina: quem sabe ela me a dará a proteção que os protocolos aplicados nos hospitais públicos não estão dando.

Como diz o rapper Rael:

“You know why, somos filhos do tempo então tudo é temporário / Eu sei que é triste o cenário / Um dia de cada vez / Força. / Mas tem que ter amor na sua vida / E seja qual for a ferida / Tudo vai passar”.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
            www.tortoro.com.br

 

 

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