UM LIVRO QUE FALA DE LIVROS.
“…o objeto de uma história do livro não é o livro em si, mas sim o que a sua “produção”, disseminação e recepção revelam sobre o passado da vida e do pensamento humanos “
Mackenzie
Pode parecer estranho, mas para André Belo, autor do livro História & Livro e Leitura, os mais recentes objetos do historiador do livro e da leitura são o computador e os arquivos digitais de todo o tipo que ele tem dentro: texto, imagem e som, rádio e televisão, discos, livros e jornais, cartas e anúncios publicitários, artigos científicos, romances e poemas.
Lendo o livro de Belo, encontrei os motivos pelos quais não gosto de ler um texto na tela do computador: “Um livro e um texto não são a mesma coisa. Ao lado do texto encontramos num, livro vários outros elementos não-verbais a que o leitor também dá sentido. O discurso ou o texto não são nunca independentes do livro ( ou do jornal ou da carta ou de qualquer outro suporte da escrita) em que aparecem. Os sucessivos formatos do livro ao longo da história não são neutrais: eles implicam uma certa postura física de leitura e têm uma certa materialidade que afeta todas as componentes do livro, transmitindo significados não-verbais ao lado dos verbais. No livro não é só o texto que “fala”; é todo o conjunto, incluindo o suporte físico e a aparência gráfica, que é interpretado pelo leitor. Se não é só o texto que transporta sentidos, se a forma em que ele aparece também o faz, a conseqüência lógica é que o autor do livro deixa de deter o seu monopólio criativo. Num livro há mais autores do que o nome do autor do texto que aparece na capa. Ao publicarem os seus textos, transformando-os em livros, os autores tornam-nos suscetíveis de apropriações diversas que conduzem a alterações, mesmo que ligeiras, do sentido inicial pretendido”.
O livro de André Belo conduz-nos através de um campo em que são inúmeras as produções em torno da história do livro e da leitura, e no qual se cruzam, dentre outras, a teoria da literatura, a literatura comparada, a sociologia da leitura, a história das idéias, a história da educação.
Interessante também é saber que os historiadores ocidentais estão sendo obrigados a empurrar Gutenberg ( Bíblia de Gutenberg – 1455) para fora do pedestal em que ele foi colocado pois, apesar de a sua utilização ter sido limitada, tipos móveis de metal foram utilizados para a impressão de textos na Coréia desde o século XIII.
Enfim História & Livro e Leitura em suas105 páginas fala sobre a primeira edição impressa das Cartas do Padre Vieira, do Sutra do Diamante (livro impresso mais antigo, encontrado na China, datado do século IX), da edição clandestina em Portugal , de O verdadeiro método de Estudar, de Luís Antônio Verney, do Livro das horas (século XV) e outros: uma reflexão em torno da história do livro e da leitura, uma história cultural e social, história econômica ou religiosa que contribui para estudar a formação do espaço público e a vida privada, a propaganda política e a alfabetização, a afirmação do nacionalismo ou a cultura de massas.