SEKUNJALO ?
“Raramente, na História, os povos do Ocidente testemunharam tanta cegueira, tanta indiferença, tanto cinismo como hoje. Sua ignorância em relação às diversas realidades é impressionante. E assim se alimenta o ódio”.
Jean Ziegler
Antes de iniciar a leitura do livro Ódio ao Ocidente, de Jean Ziegler — que nasceu na Suíça, em 1934, frequentou as universidades de Berna e Genebra, fez-se duplamente doutor (Direito e Sociologia), exerceu a docência em seu país e na França (Genebra, Sorbonne e Grenoble) e articulou o seu profícuo trabalho intelectual (expresso também em mais de 20 livros, traduzidos em vários idiomas) — tome um, ou dois comprimidos de Plasil para suportar a náusea que qualquer pessoa sensível sentirá ao percorrer as 270 páginas que mostram “ com detalhes impressionantes como a atual ordem econômica mundial, imposta pelas oligarquias do capital financeiro ocidental, é o produto de sistemas de opressão anteriores, incluindo o tráfico de escravos e a exploração colonial, e sobre a qual Ziegler indaga, entre tantas coisas, como responsabilizar o Ocidente e obrigá-lo a respeitar os próprios valores que proclama”.
Seguem algumas afirmativas de um cidadão do mundo que, entre 2000 e 2008, foi consultor da ONU e corajosamente escreveu Direito à alimentação e, depois, foi eleito para o Conselho de Direitos Humanos da instituição ( um espinho na garganta das grandes potências, das transnacionais e de agências como o FMI e o Banco Mundial): “ A cada cinco segundos, uma criança com menos de dez anos de idade morre de fome “ ; “Na África Subsaariana, cerca de quinhentas mil mulheres morreram no parto em 2007” ; “…a OMS calcula que cerca de 70% dos medicamentos vendidos na África Ocidental são falsificações sem garantias alguma de segurança ou de qualidade” ; “ É que as políticas desastrosas que conduzem ao subdesenvolvimento crescente dos países mais pobres, como as praticadas pelas potências ocidentais e retransmitidas pelos seus mercenários da OMC e do FMI, ainda persistem” ; “…nunca a distância entre as declarações e as práticas reais alimentou tanto ódio” ; “Quanto mais rico você for, mais acima da lei você se encontra ( KenSaro Wiwa – o Martin Luther King do delta do rio Níger) “ ; “ A população total de astecas, incas e maias era de 70 a 90 milhões de pessoas quando os conquistadores chegaram. Entretanto, um século e meio depois, restavam apenas 3,5 milhões “ ; “Mas é preciso que se saiba que os filhos e filhas, netos e netas dos agentes das SS, da Gestapo, dos ustashes, dos Guardas de Ferro romenos, são donos dessas suntuosas fazendas, criações de gado, frotas de barcos do rio Paraguai, indústrias químicas” ; “Evo Morales é o inimigo a ser batido, na opinião dos ustashes. Ele os priva de seus privilégios, ameaça suas fortunas e lhes impõe o respeito das liberdades democráticas” ; “Até em Santa Cruz (Bolívia) , os ustashes e outros nazistas dominam três organizações-chave: a Câmara de Comércio e de Indústria, o Comitê Cívico e a União dos Jovens de Santa Cruz “ ; “…o FMI impõe, de tempos em tempos, aos mais pobres, programas chamados “de ajustamento estrutural”. Na prática, todos esses planos privilegiam a agricultura de exportação, em detrimento das culturas de subsistência” ; “Desse ponto de vista, o FMI é o guardião impiedoso dos interesses dos bancos credores e das grandes corporações multinacionais do Ocidente”; “…para encher um tanque de um automóvel médio que funciona com bioetanol, é preciso queimar 358 quilos de milho e que, com 358 quilos de milho, uma criança no México ou na Zâmbia (onde o milho é o alimento de base) vive um ano inteiro” .
Em Ódio ao Ocidente, Ziegler fala sobre escravidão (inclusive a atual) de crianças, massacres e exploração coloniais (ainda ocorrem), a cretinice de Sarkozy, realidade da China e índia, a máfia de Abuja, Biafra, farsas eleitorais, corrupção, sangue, lixo, hipocrisia, e conclui ; “Se, ao longo dessas páginas, insistimos tanto sobre a necessárIa reconstrução da memória, é porque, nas suas culturas nativas, nas suas identidades coletivas, nas suas tradições é que os povos do Sul lançarão mão da coragem de ser livres”.
E fica a pergunta : quando isso acontecerá ?
Como fazia Nelson Mandela , na campanha eleitoral, em seus discursos durante as primeiras eleições livres de toda a história da África do Sul, concluímos: Sekunjalo! — termo xosa que significa “Agora” .