LI E GOSTEI : A QUEDA

MEU TITO

Ler A Queda , de Diogo Mainardi, me fez, mais uma vez, refletir sobre o significado das relações que mantenho com meu filho nos últimos trinta anos.
E tomei a liberdade de retirar da obra do autor, frases que ele escreveu sobre o filho dele, e que eu poderia ter escrito sobre meu Tito.
Meu Tito tem neurofibromatose.
Só existo porque Tito existe.
Tito nasceu verde.
Tito foi meu Ricardo III. Ele tomou meu trono. Ele dominou meu reino. Depois de seu nascimento, tornei-me um fantasma que girava em torno dele.
Tito ressuscitou. Chorei por meia hora. Depois de ter chorado por meia hora, chorei por uma hora. Depois de ter chorado por uma hora, chorei por duas horas em recantos ermos.
Tito é minha Lei da Gravidade. Ele é o princípio com o qual eu passei a medir a realidade.
A felicidade é o estado natural de Tito.
Cada passo ( progresso nos estudos,no trabalho e na vida social) de Tito encerra-se em si mesmo. Cada passo de Tito é um breve capítulo de sua história.
No momento em que o futuro de Tito prescindir de mim, eu poderei morrer.
Eu sou a formiga de Tito ( do formigueiro de A Giesta, poema de Giacomo Leopardi ) . Suas quedas recordam-me permanentemente da precariedade e da transitoriedade de tudo o que eu tentei construir.
Se Andrea Verrocchio fez a estátua equestre mais gloriosa do mundo, posso dizer que eu fiz o menino com as manchas e nódulos mais glorioso do mundo.
Assim como Pietro Lombardo realizou a Scuola Grande di San Marco com seu filho Tullio, eu estou realizando a obra de minha vida com meu filho Tito.
Eu continuo a contar os passos de Tito como se recitasse Dante Alighieri:                                 Quattrocentodiciotto…Quattrocentodicianove…Quattrocentoventi…Quattrocentoventuno…Quattrocentoventidue…Quattrocentoventitre…
Tito nunca caminhou tanto assim. Um bom arremessador ainda pode  atingí-lo com uma pedra, como disse Dante Alighieri no Canto III de seu  Purgatório. Mas eu, com o dedo mindinho no canto da boca ( como Dante na escultura da tampa do seu sarcófago, feita por Pietro Lombardo e seu filho Tullio)  medito que um bom arremessador pode atingir qualquer pessoa com uma pedra, por mais que ela caminhe.
Tito continua sua caminhada. Eu não paro de contar seus passos que já cantei em versos.
Meu Tito é meu sol / Como todo sol que se preza, tem manchas. / Saturno, belo e ornado de anéis , tem manhas brancas. / Júpiter, Pai dos Deuses, Zeus, tem manchas vermelhas. / Meu Tito, tem neurofibromatose congênita , tem manchas pardas. / As manchas do meu Tito são troféus sobrenaturais / que quais estigmas de Cristo , são vistos cósmicos dados por Deus aos seus escolhidos do Cosmo./ As manchas lembram, falam, exalam significados, mensagens, imagens, escrevendo histórias, palmatórias do mundo./ As manchas do meu sol, genéticas, são antiestéticas. / Nasceram em meiose, dose aleatória de translocação, sono do cromossomo dezessete, em natural distração./  E as orações se tornam fermento. / No sofrimento ante temores, tumores, nossas dores encontram bálsamo em Maria, Santa e Pia, Rosa Mística que vela a vida. / A heurística é altar de inspiração. / Então Ciência de homem pós-moderno, hodiernos arsenais dispõe de luta, e na labuta de pesquisas enfim desvenda, retira a venda, se apossa das mutações./  Milhões em luta, dispensam-se Valquírias. / Meu sol, apesar e contudo, ilumina. / Como todo sol que se preza, tem brilho. / Meu filho, ser único sem par no universo, em versos compõe a vida, doa e recebe amor /  é.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_11948-1

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