NATAL E DOM SEBASTIÃO
“Às vezes a ausência presente deixa mais saudades do que uma presença ausente”
D.Morkcaj
A quadra de esportes do Colégio Anchieta, na noite de 29 de novembro, transformou-se durante a Cantata de Natal: a Sagrada Família reuniu-se com a família Anchieta para comemorar o nascimento do Menino, que se fez presente durante a apresentação de uma folia, a Sacra Folia: um auto natalino bem brasileiro.
Antes do evento, conversei com minha colega de trabalho, Professora Alzira — uma portuguesa, com certeza — que me fez lembrar um amigo inesquecível, funcionário do Colégio, o João, esposo dela, que, com certeza, nos ouvia de outra dimensão, ao lado do meu filho Rodrigo, nosso Rod.
Rod era a personificação da felicidade, enquanto cobria Cantatas com sua inseparável Nikon D70
Então não pude deixar de me lembrar de um famoso Rei português, Dom Sebastião, que também era uma “presença ausente”, especialmente forte durante momentos de crise em Portugal, como na União Ibérica, quando o país estava sob domínio espanhol.
A relação entre Dom Sebastião e meu filho era profundamente simbólica e emocional naquela noite.
Assim como Dom Sebastião, que apesar de não estar fisicamente presente inspirava esperança e força para aqueles que acreditavam no seu retorno, o meu filho permanece vivo em minha memória, ações e sentimentos. Ele é uma presença constante, um farol invisível que ilumina alguns dos meus momentos importantes, como a Cantata de Natal, que tanto significava para ele.
Essa ideia de “presença ausente” pode ser vista como um elo espiritual indestrutível.
Na Cantata, enquanto os alunos cantavam, as luzes brilhavam, e os sorrisos se espalhavam pelo ambiente, era como se o espírito dele se manifestasse, ecoando em cada melodia: Rod vive na tradição que compartilhou, nas memórias que deixou, e na energia que ainda parece preencher espaços nesses momentos tão significativos.
Talvez a Cantata seja mais do que apenas um evento; seja uma espécie de portal por meio do qual sinto que as barreiras entre o presente e o passado se dissolvem por um instante. Ali, meu Dom Sebastião – meu filho – não estava perdido no tempo pela ausência: ele estava presente na minha emoção, no brilho dos olhos das crianças que ele sempre amou, e no significado profundo que o momento carregava.
Assim como os portugueses viam em Dom Sebastião uma promessa de redenção e continuidade, eu encontro no amor pelo meu filho a força para seguir em frente, mesmo na dor da ausência. Rod não morreu no que representará para sempre: o amor, a saudade, e as marcas deixadas no meu coração de pai, e no ambiente onde trabalhamos juntos.
Se a Cantata é o palco, ele é a alma que continua dando vida a essa celebração. É como se, mesmo invisível, ele estivesse ali, cantando junto comigo e os outros, mantendo viva a conexão entre nós.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras
ancartor@yahoo.com