AS MENINAS DA ARNALDO: CRÔNICA PREMIADA EM CONCURSO DO SINDI-CLUBE EM 2011

“Quando eu te encarei, frente a frente, não vi o meu rosto…”

Caetano Veloso – Sampa

Logo ao amanhecer — quando já passa das sete da manhã — alguma coisa acontece no meu coração veterano, só quando cruza a Tereza Livrini com a Arnaldo Victaliano
Na Livrini moro, e na Arnaldo me demoro.
Arnaldo é a artéria, é a vitalidade própria da juventude que a percorre — percorre, não: desfila — o dia todo: é a rua mais bacana do Médici e Iguatemi.
São centenas de universitárias que sobem e descem a movimentada avenida, apressadas, sozinhas ou em grupos, quase acotovelando-se nas estreitas e malfeitas calçadas.
Arnaldo é a porção de vida que começa faltar aos meus quase sessenta anos.
Arnaldo é o viço, é a energia — que começa a se ausentar de minhas carnes quase sexagenárias — que se espalha pelos quase dois quilômetros, entre a Livrini e a Alfredo Benzoni, percorridos por mim, diariamente, em poucos minutos.
Arnaldo é passarela de morenas , loiras, ruivas. Por ela passam e repassam gordas , magras, belas, feias, fartas, esguias. Os modelos são longos , curtos, leves , soltos, jeans, bermudas, claras , escuras, coloridas, discretas ou ousadas.
Elas seguem falantes, gesticulantes, arrogantes, tímidas, surdas, mudas, ornamentadas, pintadas, ou de caras lavadas.
Elas não têm a imortalidade de Helô Pinheiro passando a caminho do mar, mas eu também não sou Tom nem Vinícius: elas vão para a UNAERP, e eu vou trabalhar.
Na Arnaldo, não existem modelos, não existe o apelo midiático de um Leblon: são todas imortalmente desconhecidas, misturadas à massa confusa, formada por outros transeuntes, automóveis, ônibus e caminhões. Elas são semelhantes à jovem que busca a solidão na história em quadrinhos Umbigo, de Roko, publicada na revista Porrada, número 10.
Há centenas delas, anônimas, mas todas mereceriam um monumento — que poderia ser erguido em qualquer uma das pequenas praças que permeiam a Arnaldo — pela apresentação magistral da qual são intérpretes nesse teatro de vida a céu aberto.
Só é preciso ser, para conseguir ler esse quotidiano poema vital, que tem sempre suas últimas estrofes escritas nos dias que antecedem os períodos de férias.
Em julho, janeiro e fevereiro — mesmo com o Carnaval — a Arnaldo quase morre: metamorfoseia-se numa longa, sinuosa e moribunda serpente que renasce com a volta às aulas.
Mas, como toda peça teatral, a Arnaldo compõe um cenário, a cada dia mais ocupado — ou seria invadido, maculado — por pequenas empresas: lojas, butiques, com bares e lanchonetes ocupados, devida e literalmente, nos finais de semana: uma multidão alegre, bonita e sadia que ocupa calçadas, e até parte da rua.
Mas o mais interessante é perceber que a Livrini não cruza com a Arnaldo: existe uma igreja no meio do caminho.

 

Em anexo, convite para evento de entrega de prêmios dia 22 de setembro de 2011.

 

COMENTÁRIO SOBRE CRÔNICA ACIMA:

Meu amigo act, muito interessante sua crônica sim, este texto é uma crônica na mais legítima acepção do termo e do gênero literário !
As alusões poéticas são sensacionais e a drummondiana do fecho de sua crônica é simplemente genial.

Waldomiro Peixoto
Membro da ARL -Academia Ribeirãopretana de Letras70_11383-1

Escritores no Regatas, LITERATURA