LI E GOSTEI : UM VELHO QUE LIA ROMANCES DE AMOR

ONÇA OU PEIXE: SOMENTE ALTER EGOS

“… seus romances que falavam do amor com palavras tão belas que às vezes o faziam esquecer a barbárie humana”.

Luis Sepúlveda

No livro O mundo é plano, de Thomas L. Friedman, relata as grandes mudanças que estão acontecendo no mundo contemporâneo: Os avanços das tecnologias e da comunicação que conectam as pessoas como nunca antes.
Mas para sempre, reflexões registradas em momentos — “aqueles mesmos em que se esconde o inseto da solidão” — consigo mesmo, e transformadas em obras literárias, continuam sendo um manancial de emoções e experiências que chamam a atenção dos leitores no mundo todo.
Em O velho e o mar, de Ernest Hemingway, escrito em 1952, a relação do ser humano com o mar e a luta pela sobrevivência, empreendida pelo homem, são elementos centrais da narrativa.
Em Um velho que lia romances de amor, de Luís Sepúlveda, chileno, nascido em 1949, autor de mais de cinco milhões de exemplares vendidos no mundo, a relação do ser humano com a floresta amazônica e a luta pela sobrevivência, empreendida pelo personagem Antonio José Bolívar Proaño, também são elementos centrais da narrativa.
Em ambas as obras, líricas e ásperas, fortes e sutis, velhos encontram seus respectivos alter egos, seus inimigos íntimos, em bestas-feras de dimensões mitológicas: numa, um peixe; noutra, uma onça.
O alter ego de uma pessoa não é uma faceta escondida ou secreta da sua personalidade, mas sim alguém de muito íntimo, um amigo fiel e inseparável em que essa pessoa se revê e deposita absoluta confiança. O alter ego é, nesse caso, um perfeito substituto a que a pessoa pode delegar a sua representação ou outra função importante, na certeza de que ele pensará e agirá como ela pensaria ou agiria, isto é, como se fosse ela própria.
Santiago e José Bolívar são ambos conhecedores profundos de suas realidades: o mar e a floresta.  São personagens sempre vitoriosos nas lutas pela sobrevivência, empreendidas seja no mar, seja na mata, mas que encontram, na idade madura, embates quase épicos contra seres desiguais, ambos poderosos e obstinados, que não abandonam a peleja até o minuto final.
Em ambas as obras literárias, os personagens moram em condições precárias e refletem, durante a batalha final contra seus alter egos, sobre a ganância dos homens que abusam dos recursos do mar e da floresta, devastando seu próprio sustento. Travam um combate em que é preciso conhecimento, mas também é preciso sorte, numa batalha em que não haverá vencedor: mais do que uma luta contra o peixe ou a onça, a luta que empreendem é consigo mesmos, luta infindável que, apesar das vitórias que lhes garantem a sobrevivência, relega a eles a dor e a busca eterna por uma vida melhor: “De onde vêm todos esses pensamentos ? Vamos, Antonio José Bolívar. Velho. Sob que planta eles se escondem e atacam ? Será que o medo encontrou você e agora não pode fazer mais nada para se esconder ? Se é assim, então os olhos do medo podem vê-lo, do mesmo modo que você vê as luzes do amanhecer entrarem pelas frestas do bambu”.
Da mesma forma que O velho e o mar encantou milhões de leitores, Um velho que lia romances de amor, segundo o The New York Times, é uma pequena grande novela, um romance que encanta os leitores: “…mágico graças à narrativa impressionante sobre a vida na selva”.
Em El Idílio, no Chile, em Havana, Cuba, ou em Xapuri, Acre, Brasil — no prólogo do livro Sepúlveda, oferece o Prêmio Tigre Juan a Chico Mendes: “esse prêmio é seu também, e de todos os que seguirão seu caminho, nosso caminho coletivo em defesa deste mundo, o único que temos” — o homem e seus desafios pessoais são sempre os mesmos, sendo o mundo plano, ou não.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_11381-1

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