COMO ADQUIRIR UM TUMOR METAFÍSICO
“A curiosidade está para o conhecimento como a libido está para o sexo: não há um sem o outro”.
A Ilusão da Alma – Biografia de uma ideia fixa, do economista Eduardo Gianetti, Companhia das Letras, 253 páginas, é o relato em primeira pessoa de uma perturbadora conversão filosófica — de mentalista para fisicalista.
Após a retirada de um tumor cerebral, em que a cirurgia transcorreu bem — depois de sofrer esquecimentos, dores de cabeça, sensações de calor repentinas e passar por exames — mas o deixou parcialmente surdo, um jovem professor de literatura, especialista em Machado de Assis, isola-se do mundo e passa a viver entre livros e livros, absorvido por uma paixão intelectual: o estudo da relação entre o cérebro e a mente.
Livre do tumor físico, ele passa a crer que sofre de um tumor da alma , metafísico, uma crença que ameaça seu senso de identidade: “O que sou e o que faço podem não ter rigorosamente nada a ver com o que me sinto ser ou imagino estar fazendo “.
Do embate entre Sócrates e Demócrito, no iluminismo grego do século V a.C. aos achados e espantos da moderna neurociência, a trama do livro descreve, passo a passo, a viagem de descoberta do narrador pela história das ideias.
Vítima de descobertas que o levam a uma angústia existencial ele escreve: “Não peço que concordem comigo, tenho a alma enferma, chego a temer o contágio; peço apenas que partilhem, com a devida precaução e reserva, os passos do argumento. Acredite, você que me lê, é como confessar o inconfessável — um crime de atentado à ética, um suicídio espiritual. Eu gostaria de não acreditar numa palavra de tudo quanto escrevo. Não obstante, creio”, e completa, ao final do livro : “Mas se tudo isso é possível e, mais que isso, possivelmente verdadeiro, então eu não posso ficar calado, encolhido como um caramujo, entregue à consciência oca e resignada do meramente existir. Então algo tem de ser feito. Tem de existir um furo, um erro fatal no meu pensamento. Preciso entender o que se passou comigo; preciso pôr em palavras o sinistro absurdo da clausura em que estou metido. Se eu não existo, se não sei quem — ou o que — sou, como se pensam os pensamentos que me atormentam ? Não há caminho que me leve adiante ? E assim, paciente leitor, no paredão daquela madrugada insone, brotou em mim o germe do livro que repousa em suas mãos. Refute-me se for capaz !”.
Ainda refletindo sobre o silogismo apresentado pelo autor : “As leis e regularidades que regem o mundo são independentes da minha vontade (premissa maior); a minha vontade é fruto das mesmas leis e regularidades que regem o mundo ( premissa menor) ; logo, a minha vontade é independente da minha vontade (conclusão )” e ciente de que se as premissas são verdadeiras, então a conclusão é incoercível, resolvi curar-me de um tumor metafísico, (adquirido recentemente) mergulhando no Livro da Vida, de Santa Teresa D’Ávila: “Esse é o nosso engano, não nos abandonar de todo ao que o Senhor faz, porque Ele sabe melhor o que nos convém”.