LI E GOSTEI: O ÚLTIMO JUDEU

O último judeu é uma aventura de tirar o fôlego. Tendo como pano de fundo os horrores da Inquisição, Noah Gordon conta a história de Yonah Helkias Toledano, o último judeu da Espanha no final do século XV. O édito real expulsando seu povo da região é o ponto de partida para o caminho errante desse menino de apenas treze anos, que ficou sozinho, após presenciar o assassinato de sua família e a fuga de sua gente, única opção de sobrevivência ao negar a conversão, imposta pelo decreto.

Determinado a manter as tradições de família, Yonah Toledano inicia sua verdadeira epopéia pelas inóspitas regiões da Espanha daquela época, apenas com a fé em Deus e, no início, acompanhado de um burro esperto, chamado secretamente de Moisés. Com a vida sempre por um fio, o último judeu muda de nome, trabalha na terra como peão, num calabouço como servente, será médico, cirurgião e tradutor, entre outras funções. Adquire experiência e consegue manter-se vivo e não-convertido, sonhando em ver seus filhos terem idade suficiente para transmitir-lhes as crenças que preservara dentro de si, levá-los aos lugares secretos, acender velas do shabat e entoar preces.

A narrativa é uma envolvente aventura, principalmente porque Gordon a recheia de descrições detalhadas dos perigos que rondam Yonah. Entre eles, os aparelhos de tortura usados para arrancar confissões nos julgamentos da Inquisição, como o porro, um cavalete que deslocava as articulações, e a toca, que bloqueava as narinas e a garganta com um pano ensopado de água.

Os autos-de-fé, quando os condenados eram queimados, entre eles muitos cadáveres exumados, são vistos aqui como grandes espetáculos. “A lenha ao redor do quemadero ardia roncando forte. Isaac, o açougueiro, estava lá dentro, assando como galinha num fogão. A única diferença, Yonah ponderou timidamente, é que uma ave não era torrada viva.”

Apesar de tanto preconceito e violência, a solidariedade e a verdadeira fé surgem aqui e ali, nas andanças do aventureiro entre as regiões que Noah Gordon fez questão de conhecer antes de escrever o livro. Baseado em detalhada pesquisa histórica, o escritor explica o comércio de relíquias religiosas e a disputa que ele gerava entre as ordens católicas. Mostra também como os cristãos-novos, judeus que se convertiam ao catolicismo, eram discriminados, tanto pelos judeus, que os condenavam por renegarem a própria religião, quanto pelos cristãos, que os viam com desconfiança.

 

DOM QUIXOTE E YONAH TOLEDANO

 

“Todas  as coisas humanas têm dois aspectos…”

Erasmo – Elogio da Loucura
Enquanto Dom Quixote é um pequeno fidalgo castelhano que perdeu a razão por muita leitura de romances de cavalaria e pretende imitar seus heróis preferidos, num romance que narra suas aventuras em companhia de Sancho Pança, seu fiel amigo e companheiro (que tem uma visão mais realista) , Yonah ben Helkias Toledano é um  judeu que vaga pela mesma Espanha, para não morrer nas mãos da Inquisição, no final do século XV, com quinze anos, após presenciar o assassinato de sua família e ficar separado de seus parentes.
Dom Quixote, montado em  seu Rocinante, anda por terras de La Mancha, Aragão e Catalunha, enquanto Yonah ben Helkias Toledano inicia sua caminhada pelo inóspito interior da Espanha montado em seu esperto burro, Moisés.
Ambos, Quixote e Toledano,  são protagonistas de envolventes aventuras, num mesmo país cheio de belezas, mistérios, e personagens interessantes.
Enquanto Dom Quixote se envolve em uma série de aventuras em que suas fantasias são sempre desmentidas pela dura realidade, Yonah Toledano, consegue aventurar-se sem converter-se, professando a fé em sua alma e sonhando em transmitir suas crenças aos seus descendentes a fim de que estes fossem judeus plenos novamente.
Em Dom Quixote de La Mancha  ( de Miguel de Cervantes), a narrativa é altamente humorística,  enquanto, em O Último Judeu (de Noah Gordon),  a narrativa é amena e muito interessante.
Ao tempo em que narrava os feitos do Cavaleiro da Triste Figura em ritmo dos romances da cavalaria, Cervantes, enervado com o sucesso daquele tipo de gênero literário junto ao grande público, realizaou uma das maiores sátiras aos preceitos que regiam as histórias fantasiosas daqueles heróis de fancaria.
Já Noah Gordon —  ao tempo em que narra os desafios encontrados por Yonah em sua caminhada sem destino — baseado em detalhada pesquisa histórica, explica o comércio de relíquias religiosas e a disputa que ele gerava entre as ordens católicas. Mostra, também, como os cristãos-novos, judeus que se convertiam ao catolicismom, eram discriminados, tanto pelos judeus, que os condenavam por renegarem a própria religião, quanto pelos cristãos, que os viam com desconfiança.
Em hipótese alguma, pretendo comparar características literárias dos autores citados,  mas posso garantir a quem porventura se propuser a ler ambas as obras, que terá garantidas viagens inesquecível no espaço e no tempo.

 

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Li e gostei, LITERATURA