“Eu gostaria de saber o que, nessa foto, me dá o estalo”
Roland Barthes
Começam a chegar as fotos de diversos Estados brasileiros, são centenas, quase mil.
A natureza corre pelas veias do correio e vai ao coração da fotografia ribeirãopretana: a sede do GAF -Grupo Amigos da Fotografia.
Abertos um a um os envelopes com fotos coloridas, variando entre 25 x 38 e 30 x 40, são todas etiquetadas e numeradas: ganham um RG fotográfico.
O dia da escolha das melhores , de acordo com os jurados, é um dos momentos mais alegres e, ao mesmo tempo, de maior tensão, tendo em vista toda uma sistemática para garantir a lisura e a seriedade da escolha.
Cinco jurados a postos na mesa, cada um deles com seu aparelho que apresenta duas opções: vermelho (não aceita) e verde ( aceita) .
Na mesa em frente, voltado para o seleto público presente — fiscais de fotoclubes e membros do Grupo Amigos da Fotografia — um painel mostra duas carreiras de luzes: cinco vermelhas e cinco verdes que vão se acender de acordo com a opção dos jurados.
Um jovem fotógrafo do GAF, uma a uma, vai apresentando ao júri as fotos enviadas de quase todo o Brasil — a imagem particular que cada um retirou da natureza com sua câmera, com o intuito de registrar, ou até recriar com uso do Photoshop, a obra de Deus —, e as fileiras de luzes, a cada foto, apresentam 4 combinações: cinco ou quatro verdes ( e a foto vai para a primeira e mais importante bandeja) , três verdes ( e a foto vai para a segunda bandeja) , três vermelhas (a foto vai para a terceira bandeja) e, para a quarta bandeja, vão as fotos com cinco ou quatro vermelhas e as recusadas por infringirem as normas do regulamento da bienal. O silêncio na sala é quase completo, quebrado vez ou outra por um comentário dos jurados entre si, ou por alguma ocorrência que obriga a intervenção da Diretora de Fotografia do GAF , Elza Rossato.
É importante frisar que as únicas bienais realizadas no país, em que o fotoclube participante não concorre , é Ribeirão Preto: não basta ser honesta a mulher de César, tem que demonstrar, de forma transparente, que é honesta, e não há nenhuma possibilidade de interferência dos presentes na escolha dos jurados.
Finda as escolhas, as fotos da primeira bandeja são eleitas as melhores: no caso da II Bienal Nacional de Arte Fotográfica – Natureza em Cores, foram escolhidas 121 fotos dentre as quase oitocentas enviadas.
Passam, então, os jurados, cada um com sua planilha, a dar notas de zero a dez — avaliar uma foto é quantificar o estalo que ela causou ao ser apreciada — para cada uma das fotos apresentadas, mais uma vez, por um jovem fotógrafo do GAF.
Ao final desse processo, três cópias das notas de todos os jurados são colocadas em envelopes e distribuídas da seguinte forma: um envelope lacrado, para um dos jurados; outra para o Presidente João Rossato, do GAF, e outro para o Diretor representante da Confoto- Confederação Nacional de Fotografia , Ourivaldo Barbosa. Então, dois diretores do GAF, em sigilo completo, e com a sala vazia, passam a tabular as notas a fim de obterem os pontos de cada um dos fotoclubes e de cada foto em particular: o resultado só é divulgado no dia da abertura oficial da Bienal.
É importante registrar a parada para almoço da equipe encarregada da apuração, que ocorre após cinco horas de trabalho, sendo, então, a sala lacrada e com o lacre assinado por um dos jurados e pelo Presidente do GAF.
No dia seguinte, na sede do GAF, reúne-se novamente um grupo de fotógrafos, sob coordenação da diretoria, para digitalização de cada uma das cento e vinte e uma fotos escolhidas e sua colocação em paspatur de acrílico, num trabalho meticuloso e artesanal, porque cada foto não pode, em hipótese alguma, deixar de ser encontrada por meio do seu RG fotográfico.
E mais um almoço segue-se ao trabalho que, mais uma vez, permite aos participantes uma oportunidade de confraternização e de aprender como trabalhar harmoniosamente com vistas à festa maior : a abertura da Bienal.
Em data marcada, nova equipe fica incumbida da montagem da exposição, um trabalho que leva em torno de mais quatro ou cinco horas, mas que, ao seu final, reflete, na retina de cada componente do GAF, um mundo fantástico de cores, formas e luzes.
E chega o mais importante dia, o dia da grande festa da arte de Daguerre, o dia da entrega de troféus, medalhas e certificados aos fotoclubes e seus poetas que escrevem com a luz, na presença de autoridades locais e visitantes.
Quando tudo termina, finda a maratona cultural — de culto ao meio ambiente — e as luzes se apagam, fico imaginando que possivelmente, na calada da noite, a natureza clicada com tanto amor e carinho, pelos milhares de fotógrafos concorrentes na Bienal, de tão bela e incrivelmente perfeita, deixa seus personagens abandonarem o paspatur. Lagartas, formigas, borboletas descem pelas paredes, rãs, jacarés, cobras e lagartos, passeiam pelos amplos espaços vazios do Ribeirão Shopping, enquanto pássaros de todas as espécies e coloridos alçam voo por entre os galhos das árvores que pendem dos acrílicos afixados nas paredes do salão de exposição. Nesse momento mágico, o céu estrelado da foto premiada em 1º. lugar no concurso, é mais belo do que o do lado de fora, sob o qual milhares de fotógrafos esperam pela próxima Bienal.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO