Ultimamente, tenho pensado muito, tentando descobrir o motivo pelo qual as pessoas de hoje não são mais tão criativas quanto as de ontem, e penso que cheguei a uma primeira conclusão : o mundo está hoje muito mais repleto de imagens do que antigamente e, como sabemos, uma imagem retira de nós qualquer possibilidade de imaginarmos o que quer que seja — a partir de um texto escrito ou falado — como ocorria nos tempos em que não existiam nem TV e nem computadores.
Eu me lembro de que, nos meus dez, onze anos, por volta das dezoito horas, todas as tardes, infalivelmente, já com banho tomado, me sentava à beira do rádio para ouvir , na Rádio Nacional, as novelas do Jerônimo e do Anjo.
Para informação dos jovens de hoje , “Jerônimo, o herói do sertão”, era um seriado criado por Moisés Weltman — esteve no ar por 14 anos, a partir de 1952 — com personagens bem brasileiros que percorriam os sertões envolvendo-se em aventuras perigosas na luta contra os Coronéis. Jerônimo (Milton Rangel) era auxiliado pelo Moleque Saci (Cauê Filho) , e amava Aninha, neta do Coronel Saturnino Bragança, seu inimigo mortal.
A partir do ano de 1948, havia, também, a novela “O Anjo” , criada por Álvaro Aguiar, que interpretava o Anjo, personagem principal, e que contava a história de um milionário desvendando crimes em episódios de dez minutos. O Anjo ficou no ar por quase dezenove anos.
Mas, voltando ao Jerônimo, logo na abertura, eu acompanhava cantando a música tema: “Quem passar pelo sertão / vai ouvir alguém falar / do herói dessa canção / que eu venho aqui cantar / se é por bem vai encontrar / o Jerônimo protetor / se é por mal vai enfrentar / o Jerônimo lutador “ .
E os versos simples continuavam a contar a história daquele herói brasileiro, temido e tirado do ar pelo regime militar entre 64 e 68: “ Filho de Maria Homem nasceu / Serro Bravo foi seu berço natal / entre tiros e tocais cresceu / hoje luta pelo bem contra o mal / galopando vai em todo lugar / pelo pobre a lutar sem temer / o Moleque Saci pra ajudar / ele faz qualquer valente tremer “.
E, na minha fértil imaginação de criança, eu via esse herói, eu andava pelos sertões montado no meu cavalo ao lado do dele, eu andava pelas ruas de Serro Bravo, tinha muito medo e raiva do Coronel Saturnino Bragança e amava , sem que Jerônimo desconfiasse, é claro, uma linda Aninha que se parecia , não sei por que , com a Branca de Neve, do filme do Disney, que , essa sim , eu havia visto no cinema: eu transformava sons em “minhas” imagens, eu era livre para criar o “meu” universo virtual.
E era tamanha a realidade da minha criação, e tão grandes eram os detalhes dela, que, do mesmo tamanho, foi a minha decepção quando, um certo dia, vi, nas bancas, revistas em quadrinhos desses meus heróis: aquele da capa não era Jerônimo, não era o Anjo, ou, pelo menos, não eram o Jerônimo e o Anjo que eu havia imaginado.
Acredito eu que um dos combustíveis para a criatividade é a imaginação, que nos possibilita trabalhar e combinar idéias e fatos conhecidos e gerar , assim, novas idéias. A imaginação permite a criação de idéias abstratas e está associada intimamente à capacidade de criação. Pessoas criativas têm níveis de consciência e atenção maior do que as demais, o que dá a elas uma sensibilidade mais elevada e uma disposição de enxergarem novas possibilidades e relações entre as coisas.
Infelizmente, hoje as imagens já vêm prontas: é uma pena.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA :
Meu caro Antonio Carlos:
gostei muito da lembrança do Jerônimo.
Ouvi a novela, no interior de MG , dos oito aos 16 anos, e sofria até chegar a hora de mais um capítulo.
Tenho a música, “Canção do Jerônimo” gravada por Cristian e Ralf para a novela na TV: quem quiser, posso enviá-la.
Parabéns e abraços.
Onofre Ribeiro – Cuiabá – MT
Prezado Antonio
como meu nome é Jerônimo e nasci em 1952, você bem pode “imaginar” como vivenciei as historias do nosso herói do sertão.
Às 18 horas começava a novela do “cavaleiro da noite” e o “anjo” ocupava 10 minutos entre 18:20 e 18:30h.
Logo depois era a novela “Jerônimo o herói do sertão”.
Nossa imaginação fervilhava realmente.
Abraços
Jeronimo Braz – Raul Soares – MG