“Tornou-se arriscado exercer a cidadania nestes tempos pós-Francenildo”
Fernando Rodrigues
Folha de São Paulo
A mãe liga para o Colégio.
Em princípio não quer se identificar: mas fará uma denúncia.
Denuncia um caso de bullying, uso de drogas, ou que seu filho está tendo que deixar colegas copiarem dele o resultado de uma pesquisa ou tarefas, enfim, está em busca de solução para algum problema que a incomoda. Mas não quer dar nomes, não quer que o filho saiba, não quer se identificar, enfim, não colabora.
No bairro, uma matilha de cães não permite, até alta madrugada, o sono dos vizinhos: mas poucos são aqueles que se propõem chamar a policia, ir com os policiais até a porta dos perturbadores da ordem pública, e buscar seus direitos garantidos pela lei do silêncio.
No trabalho, um colega não cumpre suas tarefas e sobrecarrega colegas com sua irresponsabilidade. Todos sabem o que está ocorrendo, mas ninguém denuncia para o patrão: o folgado frequenta a casa, e é íntimo do filho do chefe.
No bar da esquina , todos sabem que o amigo é traído pela esposa já há algum tempo, mas ninguém diz nada: ele será, como sempre, o último a saber.
E agora, o STF- Supremo Tribunal Federal ministra uma lição, para todos aqueles que souberem de alguma coisa escusa — principalmente para caseiros, mordomos, secretárias, motoristas, assessores de baixo escalão e afins — mas que se sentem inseguros para denunciar: não digam nada pois podem estar mexendo com poderosos e, nesse caso, suas palavras não valerão nada.
E nós , educadores, ficamos na berlinda: como defender a ideia de que levantar o braço e apontar algo de errado é um dever do cidadão ? Como ensinar a diferença entre ser testemunha e ser dedo-duro ? Como impedir que nossa juventude fique desestimulada em participar da vida pública denunciando a corrupção e os desmandos de autoridades constituídas ?
E nós, cidadãos honestos, como ensinar nossos filhos e netos que , para a justiça brasileira, sempre prevalecerá a tradição de não punir poderosos, a não ser que se tenha contra eles provas irrefutáveis e cabais — declaração de próprio punho do réu, assumindo a transgressão, com firma reconhecida em três cartórios, com fotos e gravações feitas com autorização legal — para se dar início a um processo ?
Afirma o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, “ a corda acaba estourando, sempre, do lado mais fraco” mas eu, mesmo sabendo disso tudo, prefiro ouvir Pablo Picasso: “ Deus é, sobretudo, um artista. Ele inventou a girafa, o elefante, a formiga. Na verdade, Ele nunca procurou seguir um estilo, simplesmente foi fazendo tudo aquilo que tinha vontade de fazer”.
Eu, poeta/fotógrafo/educador, vou continuar denunciando, mesmo correndo o risco de me transformar num João Francenildo Batista.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Meu amigo e cidadão Tórtoro,
como poderiam introduzir no currículo escolar:cidadania?
Quantos educadores como você, tem coragem de enfrentar a realidade de nossos jovens, nos dias atuais?
Lamentavelmente, a maioria da população “dorme justo sono”, enquanto,quem sabe se não é um filho do omisso, que está hibernado na droga.
Quando vejo nos jornais pais/mães chorando a partida de seus filhos, me pergunto:será que acompanharam o dia a dia dos mesmos, em uma cruel realidade ?
Todos nós somos responsáveis uma vez nos tornamos omissos.
Parabéns, mais uma vez, Mestre Verdadeiro, educador, poeta, jornalista.
Abraços fraternos,
Isaura Rodrigues Jorge