“É durante as fases de maior adversidade que surgem as grandes oportunidades de se fazer o bem a si mesmo e aos outros”.
Dalai Lama
Numa dessas tardes instáveis de novembro, em que temporais se formam de repente, depois de um período de sol intenso, tive que sair de casa para um breve compromisso.
Do fundo do meu quintal, olhei para o céu: estava coberto de densas e escuras nuvens.
Mas saí , mesmo assim.
Quando cheguei à rotatória da UNAERP, um dos pontos altos de Ribeirão Preto, pude ver que grande parte do céu estava claro, com poucas nuvens, permitindo até que raios de sol se projetassem sobre a periferia da cidade, naquele momento disposta aos meus pés.
A situação meteorológica era metáfora perfeita dos tempos de crise pelos quais estamos prestes a passar: dependerá do ângulo de observação.
Poderemos, por exemplo, agir como um grupo de associados do Regatas — clube de campo que freqüento nos finais de semana — que se encontrava em mesa ao lado da nossa , minha e de alguns amigos, em dia de lotação plena e falta de caçamba para manter gelada a cerveja, no auge do calor ribeirãopretano. Pedimos aos nossos vizinhos que nos cedessem uma das três caçambas que usavam parcialmente, mas a resposta foi uma negativa, seguida de um gesto de pura mesquinharia: preencheram o espaço vazio das caçambas com garrafas vazias…
No mesmo clube, semanalmente, nossa mesa , assim como muitas outras, é visitada por uma figura incrivelmente gentil e desapegada, o João Carrapato. Saco plástico a tiracolo, com duas ou três garrafinhas pet contendo uma pinguinha pura, ou com canela, e, acreditem, copinhos plásticos, ele pára na mesa, sorriso largo de satisfação, oferece o néctar dos deuses, retirado da cana em Santa Adélia, e serve a todos, mesa a mesa, envolvendo de paz e confraternização cada pedaço do Regatas.
Em 2009, poderemos nos reunir em feudos inexpugnáveis, cercados por altos muros, protegidos por grades eletrificadas e alarmes de última geração, reféns de uma ganância que desconhece o próximo: a turma da caçamba.
Ou , então, teremos que aprender, com nossos irmãos do Nordeste, que, vítimas da seca, dividem com seus vizinhos qualquer quilo de arroz, copo d’água ou pedaço de carne seca, e podem viver livres de muros, assaltantes e assassinos, sem medo de perder a vida por conta de valores materiais : a turma do Carrapato.
Tudo dependerá do ângulo que escolheremos para viver esse turbulento início de século, que muitos consideram ser o fim dos tempos, previsto por Nostradamus e pelo calendário Maia para dezembro de 2012.
E eu, que nunca pensei que o mundo poderia ser melhor, um dia, se fosse ocupado por carrapatos.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Na foto: João Carrapato e Tórtoro