CARTA A PADRE EUCLIDES

PADRE-EUCLIDES
No dia três de maio de 2003 a Sociedade Legião Brasileira de Civismo e Cultura Ribeirão Preto – SOLEBRARP – mantenedora da Biblioteca Padre Euclides, completou 100 anos de atividade ininterrupta, prestando serviços à comunidade. Em homenagem ao Padre Euclides da Cunha Gomes Carneiro, escrevi o artigo abaixo que é a íntegra de uma histórica carta de despedida – respeitando inclusive a ortografia original – que demonstra a importância do homem e das instituições que ele criou.
Hoje, passados 11 anos, e tendo Padre Euclides, Patrono de minha Cadeira no. 8 na ALARP – Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, falecido em 26 de fevereiro, divulgo-a novamente em homenagem a ele.
“Exmo e Revmo Padre Euclydes Carneiro,
Foi para nós, habitantes de Ribeirão Preto, uma intensa causa de mágoa e de pesar a notícia de que iríamos ficar privados da vossa companhia salutar e edificante, da vossa collaboração inolvidável e eficaz, da vossa caritativa e incansável actividade.
O primeiro ímpeto que a todos assaltou foi o de uma opposição definitiva aos vossos propósitos. Não! Ribeirão Preto não se poderia conformar de modo algum com a ausência daquelle que, durante quase três lustros fora o propulsor desinteressado e infatigável do seu progresso e factor por excellência das suas obras beneficentes, o iniciador quotidiano de reformas e creações materiaes e moraes de luminoso alcance. Não comprehenderíamos Ribeirão Preto com todo o seu atropello e movimento de cidade modernas com todo o seu caracter de trabalho e de riqueza, sem a figura suave e espiritual de sacerdote altruísta que era ao mesmo tempo o mais exemplar de todos os seus concidadãos. Ribeirão Preto afigurar-se-nos-ia desvalido do seu melhor apanágio. Faltar-nos-ia aquelle que era o intermediário entre as grandes fortunas e as dolorosas misérias, aquelle jovem missionário que sabia tirar risonhamente e com a satisfação do verdadeiro filho de Christo as sobras do rico para mitigar as agruras do pobre. Grande Centro laborioso, Ribeirão Preto encerra em sua sociedade ricos milionários, modestas fortunas, pobres e paupérrimos. Os primeiros e os segundos se comunicavam com os últimos por intermédio da bondosa e constante dedicação desse homem raro, raríssimo, encarnação admirável de um espírito á São Francisco de Paula!… Como, pois, retirar-se esse mediador plástico, cessar essa corrente de vasos comunicantes? Que seria delles, dos pobres, dos paupérrimos sem a intercessão diária propicia do moço bemfeitor?
Por alguns dias o effeito doloroso da noticia da vossa retirada encontrou essa resistência em todos os peitos. Pouco a pouco entretanto fomos nos compenetrando da realidade. Fomos imaginando o quanto de sacrifício para vós mesmo esse passo representaria o quanto de doloroso e cruel teria para o vosso coração a contingência de interromper a grande obra, a incomparável obra, a obra de titânicos esforços que aqui havíeis emprehendido!
Toda a nossa população cabisbaixa se resignava. Era uma fatalidade, o creador de tantos benefícios se havia exaurido, dispendendo energias com a prodigalidade dos visionários, atirando por todos os lados o transbordamento da sua bondade, elle o nababo do altruísmo da caridade das mais bellas virtudes. E era esse excesso de luctas que agora o obrigava a afastar-se sob a pena de aniquilar-se para sempre aquella fonte maravilhosa de iniciativas e de consolações.
Toda a população de Ribeirão Preto comprehendeu a sua divida inapreciável para com esse homem cujo sacrifício fora todo por ella. E não podendo compensar sequer na mínima parte essa dívida ella tratou ao menos de demonstrar o quanto a comprehende, o quanto está compenetrada do seu elevadíssimo valor.
É isso, Padre Euclydes Carneiro, o que essa grande parte da população de Ribeirão Preto vem fazer perante vós.
Aqui não vimos trazer meras palavras de exaltação a vossa obra. Essa lá ficará imperecível attestando a vossa operosidade em capítulos magníficos que poderíamos enumerar assim: Legião Brasileira, Cruz Vermelha, Centro Operário Asylo de Inválidos e o Capítulo sobretodos sublime — Santa Casa de Misericórdia! Este somente vale por um verdadeiro poema, poema de humanidade Christan, poema de dor e de angustias lenidas pela vossa mão.
Nós vimos aqui, Padre Euclides Carneiro, trazer a affirmação do nosso reconhecimento, o protesto da gratidão imperecível de um povo inteiro para com aquelle cidadão humilde pobre, sem prestígio de família ou de relações, que se approximou um dia da nossa cidade e alli conquistou em menos de três lustros um altar em cada coração. Nós vos trazemos estas palavras com orgulho e com esperança. Com orgulho de ver que em vossa pessoa dignificas as mais altas qualidades cívicas e religiosas com a esperança de que esse modelo vivo impressionará a cada alma de moço em nossa Pátria, contribuindo para formar-se uma geração valorosa, boa, honesta e cheia de activas energias como tantos nos é mister .
Oxalá, Padre Euclydes Carneiro, sejam-vos propícios os ares deste bello clima em que vos refugiaes! Oxalá, revigorado dentro em pouco, possas attender ao clamor de todo o povo de Ribeirão Preto, cujo supremo desejo é, e será, o de reivindificar-vos para o nosso meio, para nossa sociedade, para os nossos pobres!
Ribeirão Preto, 13 de junho de 1915.”
Seguem ( no documento oficial) as assinaturas das pessoas mais importantes da cidade de Ribeirão Preto, na época.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
WWW.tortoro.com.br

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