O PACIENTE DO 209

Uma viagem inesquecível no tempo e espaço.
Uma viagem de três dias pelo nosso sistema público de saúde: uma realidade a ser em muito melhorada — principalmente com relação às condições de trabalho, muitas vezes desumanas pela sobrecarga de trabalho que recai sobre os profissionais da área — e que precisaria ser conhecida por muitos que somente sabem criticar.
Tudo começou na manhã de uma segunda-feira quando fui comunicado de que meu pai, prestes a completar seus noventa e um anos de vida, havia perdido os sentidos sem motivo aparente.
Conduzido pela ambulância da Medicar após avaliações preliminares, permanência por nove horas na UPA da Treze de Maio para exames de sangue e urina, mais duas horas aguardando vaga para internação no Hospital Santa Lydia, finalmente meu velho foi acomodado de forma decente até ser transferido definitivamente para o quarto 209 ao meio dia da terça-feira.
Teve alta na manhã da quarta-feira por volta das dez horas da manhã tendo recebido transfusão de sangue e feito uma tomografia do tórax para verificação dos motivos da anemia profunda que o derrubou na porta de sua casa.
A jornada para mim e para ele teria sido muito mais sofrida não fossem os seres humanos que encontramos durante a caminhada entre macas, seringas, luvas, soros, comprimidos, lágrimas, choros, lamentos.
Não vou mencionar nomes — são muitos — mas meu idoso pai, e eu, fomos, o tempo todo, recebidos com gestos de carinho e atenção, tornando mais amenos os desafios enfrentados.
Durante o dia, acompanhado por mim, e à noite, sob os cuidados da Sra. Bete — um anjo em forma de mulher — Claudio, meu pai, foi chamado de “vovozinho”, “príncipe”, “querido”, e suas histórias de um passado distante foram ouvidas dezenas de vezes por cada médico ou enfermeiro que se aproximava dele, sempre com uma paciência de fazer inveja, tanto na UPA quanto no Santa Lydia.
Sempre com sorrisos e gentilezas, a alimentação fornecida e servida a ele e aos seus acompanhantes — arroz, feijão, carne, verdura cozida, alface, molhos, gelatina, chá mate , pão doce, leite — durante o período de internação, nada deixaram a desejar ao atendimento, que tenho presenciado de perto, oferecido pelo meu plano de saúde.
Devorando as mais de trezentas páginas de um exemplar de Eu Sou Malala — a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã — passei o tempo todo no ambiente hospitalar: meu velho pai no Santa Lydia e a menina Malala num hospital de Birmingham , na Inglaterra, sob intensos cuidados médicos que lutavam para recuperar sua face semi-destruída por um tiro covarde.
Em sendo assim, pude crescer um pouco mais como ser humano ao conhecer, um pouco melhor, desconhecidos espalhados pelos corredores, camas e macas: nos dois locais ajudando e sendo ajudado a abrir e fechar portas para passagem de cadeiras de roda, carregando suportes de bolsas de soro, cobrindo aqueles com frio, chamando a enfermeira para atender aqueles com dores insuportáveis e que necessitavam de atendimento imediato.
Enfim, deixando de lado a falta do trinco e o vazamento que inundava o chão dos banheiros na UPA , a falta de uma ambulância para levar meu pai da UPA ao Santa Lydia, e a falta de vaga — garantida pelo médico da UPA mas não existente no hospital para internamento imediato, só tenho a agradecer a todos aqueles que, de alguma forma, com seu apoio e carinho, tornaram mais suportável esse capítulo, de muitos que temos que passar quando resolvemos encarar a vida.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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