LI E GOSTEI: OS AMORES DIFÍCEIS

AMORES (AVENTURAS) DIFÍCEIS: SÃO FORMIGAS-ARGENTINAS.

“A vida é, ela só, quem cura a si mesma. / O verdadeiro terror desliza de dentro, onde/ embora a lama se feche/ainda a voz nua chama”.

Richard Blackmur

Os contos (aventuras) de Ítalo Calvino — nasceu em Santiago de Las Vegas – Cuba (1923-85), e foi para a Itália logo após o nascimento. Participou da resistência ao fascismo durante a guerra e foi membro do Partido Comunista até 1956. Publicou sua primeira obra, A trilha dos ninhos de aranha, em 1947 —no livro Amores difíceis incomodam da mesma forma que as formigas-argentinas porque são histórias de estados de ânimo, um caminhar rumo ao silêncio.
Os Amores difíceis é o título com que o autor reuniu uma série de contos dos anos 50 — clima dominante na literatura italiana entre 1950 e 1960 — em que fica evidente a dificuldade de comunicação, uma presença constante de uma zona de silêncio no cerne das relações humanas.
Calvino é um fabulador que alterna realismo com força de fábula e fábula com força realista, segundo o crítico Vittorini.
O amor e a ausência dele são temas comuns na maioria dos contos, deixando o leitor, ao final de cada um, com uma sensação de estar à beira de abismos silenciosos.
Nos dois maiores contos, ao final do livro, ficam evidentes as considerações sobre o mal de viver e a atitude a ser tomada em cada um dos casos, levando-se em consideração, sempre, como questão de honra, a recusa de qualquer evasão ilusória e transposição ideal: A formiga-argentina e A nuvem de smog.
Sabemos que, sob a óptica da psicanálise, catarse é o experimentar da liberdade em relação a alguma situação opressora, tanto as psicológicas quanto as cotidianas, através de uma resolução que se apresente de forma eficaz o suficiente para que tal ocorra: semelhante é a catarse provisória por meio de imagens com a qual se encerram alguns dos contos, um tipo de fuga da dura realidade: “Aí o herói de Calvino, esgotado, não encontra outro recurso a não ser na paz do olhar. Seria equivocado ver em tudo isso uma espécie de quietismo: não é a ação que é condenada, mas uma situação absurda dentro da qual só se pode agir debatendo-se, ou seja, em vão…”.
Afirma Wahl: “O choque do real provoca o aparecimento de uma imagem: ainda é o real e já é outra coisa; a imagem traduz uma experiência, mas significa mais e noutro plano. E acontece que esse símbolo começa a viver; desenvolve uma lógica toda sua; carrega consigo uma rede de acontecimentos, de personagens; impõe seu tom, sua linguagem. Mas a tal lógica, por seu lado, tem algumas de suas articulações e seu ponto de chagada fixados desde o princípio; a busca de fórmulas e de eventos se axaure, para terminar na paz de uma contemplação. Esse é o processo que governa todas as obras de Ítalo Calvino”.
Calvino, segundo Pietro Citati, se entrega a verdadeiras orgias de psicologia: “É curioso verificar com que coerência inconsciente, nas aventuras, mas especialmente em A formiga-argentina (calamidade natural) , A especulação imobiliária e A nuvem de smog (conseqüência da civilização) , o autor se move num terreno como aquele do coração humano, que deve repugná-lo profundamente.
Enfim, penso que Calvino, ao escrever seus contos , age da mesma forma que o protagonista de A nuvem de smog — que fala na primeira pessoa mas não tem nome nem rosto: tenta tomar como caricatura aspectos disparatados, de rebotalho, que inevitavelmente a vida assumia em torno dele, e buscar colocar em seus personagens a voz nua que chama em que cada um de nós.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

CAPA-OS-AMORES-DIFICEIS

ARTIGOS, Li e gostei, LITERATURA