” Quem sabe se em teu vulto, não vive por acaso meu destino? …”
Malba Tahan em “A sombra do Arco Iris”
O Professor Márcio De La Corte — que se definia como autodidata e apaixonado pela Matemática — não morreu: virou álgebra.
A álgebra é uma linguagem matemática vista como uma disciplina “divisora de águas”.
Márcio foi um professor divisor de águas em minha vida: hoje sou professor de Matemática por haver conhecido Márcio De La Corte nos idos de 1964, nos meus 15 anos, no antigo ginásio Otoniel Mota, onde eu cursava o Científico de Engenharia, correspondente hoje ao Ensino Médio.
A primeira imagem que tenho desse Professor — que se tornou Educador no início da década de 50 — é vê-lo percorrendo os históricos corredores do Estadão e dirigindo-se para a sala de aula: andava devagar — os pés na posição dos ponteiros de um relógio quando indica 10 hora e 10 minutos — deixando transparecer um incômodo nos pés devido a alguns calos. Carregava sua maleta e ainda levava debaixo do braço alguns livros de…Matemática.
Respeitado, e sempre respeitoso com seus alunos, tratava todos eles como se fossem adultos: acabava de chegar de São Joaquim da Barra (1964).
Márcio amava Cantor e a Teoria dos Conjuntos. Em entrevista à revista Revide disse que: “A álgebra moderna e os cálculos diferencial e integral são as áreas da Matemática das quais mais gosto”.
Penso que amou mais a Matemática — da qual gostava de contar a História enriquecendo assim nossos conhecimentos gerais — que a própria vida.
Terminados meus estudos no Otoniel Mota, voltei a encontrar meu Mestre na Faculdade Barão de Mauá (1967) quando fez parte da primeira turma do curso de Matemática — Márcio havia cursado somente a Escola Normal e obtido sucesso no Exame de Suficiência da Universidade de São Paulo (1953) que que lhe daria o registro de professor, mesmo sem ter o curso superior — enquanto eu fazia parte da segunda turma.
Quando em 2000 o Grupo Gerenciador Ribeirão 2000, governo Jábali, homenageou 33 Grande Mestres em cerimônia inesquecível realizada no Theatro Pedro II, honrosamente fui o ex-aluno, como Presidente da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras, que entregou ao Professor Márcio o seu troféu “Reconhecimento ao Sempre Professor” — fiz parte da comissão que escolheu os 33 nomes, juntamente com o inesquecível Wilson Toni, dentre outros nomes representantes, na época, de diversos setores da sociedade.
Em 2002, quando da escolha de nomes para serem Patronos das 40 Cadeiras da ARE- Academia Ribeirão-pretana de Educação, sugeri, e foram aprovados, os nomes desses 33 Mestres: e o Professor Márcio De La Corte passou a dar nome à Cadeira número 20 do sodalício.
Meu último encontro com meu Mestre foi no restaurante Fazenda de Minas, num dos muitos momentos festivos em que se reuniram os membros da ARE.
Faço parte, com muito orgulho, da relação de seus ex-alunos, dentre eles o jornalista Joelmir Betting, o ex-jogador Sócrates e o ex-prefeito Antonio Palocci Filho.
Corte aposentou-se em 1982. Desde então, passou a ministrar aulas particulares.
Costumava dizer: “Sigo minha vocação desde pequeno. Estimulado por meu pai militar — que considero um sábio — sempre fui um aluno exemplar. Se tivesse que fazer tudo de novo, faria“.
Márcio optou pela área de exatas, mas construiu sua vida ligada também às humanidades e se preocupou, já naquela época, com os rumos do ensino no Brasil: “Hoje não há preocupação com a qualidade. A escola é um retrato da sociedade”, afirmava, referindo-se aos problemas vividos nas instituições de ensino público, como a violência e a baixa remuneração dos professores.
O Grande Mestre virou álgebra num 1º. de fevereiro, ano de 2016, antes do Carnaval, com quase 85 anos, mas tenho certeza de que continuou filosofando e acreditando que nunca foi velho, pois dizia: “ Velho não ensina, idoso sempre aprende. Idoso é quem tem muita idade, velho é quem perdeu a jovialidade”.
Enfim, posso garantir que na sombra do vulto de Márcio De La Corte passou o meu destino.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO ACIMA.
Tórtoro,
Há uma frase latina que diz “Todo homem é mortal, mas nem todo o homem morre.” Não conheci e convivi com o professor De La corte, mas pela sua homenagem a ele, penso que a frase latina fala de homens como ele. O corpo vai, aquele que foi moldado de areia pelo Senhor Javé, mas o “feito à imagem e semelhança de Deus”, aquele demiurgo, que cria do nada, que possui a centelha divina pelo sopro igualmente divino, este não morre e se pereniza pelas obras. João Guimarães Rosa, quando fala do homem-sopro, diz que ele “não morre, fica encantado”. Você, associando o Professor e Educador De La Corte com as artes matemáticas, cria esta bela metáfora: “…virou álgebra”, e não poderia haver mais sublime homenagem.
Sensível o mestre, sensível o discípulo – e assim a obra dele continuou na sua. Que ele esteja no merecido lugar e parabéns a você.
Abraços,
Waldomiro – Escritor da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras
Marília (quase Ribeirão)
Meu Irmão,
meus parabéns pelo seu excelente artigo que saiu hoje em A Cidade. Você sempre escreveu bem, mas o texto “Márcio De La Corte Virou Álgebra” é um de seus melhores.
Parabéns efusivos!
Abraço.
Ely Vieitez Lisboa
Escritora da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras