O SENHOR PROVERÁ

FENIX-AMPUTADA

Se Deus nos dá coisas boas, por que não devemos também aceitar as más?

Será após as cinzas de um Carnaval terrivelmente especial, para mim e minha esposa Lu, que meu Rod renascerá da anestesia geral, qual Fênix sem uma das asas, após arder em braseiro por mais de um ano.
O Dr. Nelson Gava, será o bom Fenrir, deus-lobo da mitologia nórdica, que morderá e amputará o braço direito do meu Tyr: deus — com as características do meu filho guerreiro — do combate, do céu, da luz, dos juramentos e, por isso, patrono da justiça, precursor, e considerado filho de Odin.
Nas mãos do jovem médico, Dr. Nelson Gava, Rodrigo perderá seu braço direito qual o rei Nuada — que por coincidência, ou ironia, era o Deus da justiça, cura e renascimento — na batalha de Magh Tured, do folclore irlandês. Na vida real a luta do meu filho é contra um tumor maligno de bainha de nervo periférico, um sarcoma sinovial, e ele não terá o órgão restituído feito em prata como ocorreu com Nuada-Braço de Prata. Rod, curado, e pela vontade da justiça divina, receberá uma prótese com a qual renascerá para uma nova vida.
Infelizmente meu filho não é Coto (o furioso), da mitologia grega, um dos três Hecatônquiros, gigantes com cem braços: não ficará com os 99 braços restantes, mas com um único, o esquerdo, com o qual deverá, pelo resto de sua vida, cumprir os desígnios de Deus.
No dia da cirurgia, uma quinta-feira, tal qual Abraão edificarei mentalmente um altar numa das salas de cirurgia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, colocarei em ordem a lenha, colocarei o meu Isaac deitado sobre a mesa cirúrgica, em cima da lenha.
Pela fé, oferecerei o braço direito do meu Rod… e ficarei esperando que diante da provação eu possa, como Abraão, declarar, parafraseando Gênesis 22:13 e 14: “…Então, levantou Antonio Carlos Tórtoro os seus olhos e olhou, e eis um carneiro detrás dele, travado pelas suas pontas num mato; e foi Antonio Carlos, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar do braço de seu filho. E chamou Antonio Carlos o nome daquele lugar (a sala de cirurgia) o SENHOR proverá”.
Hoje eu me sinto — da mesma forma que me sentia nos primeiros dias de vida de Rod — como Abraão: entregando meu filho para um sacrifício.
Enfim, a fogueira a que será submetido para “queimar”, matar o mal pela raiz, não utiliza lenha, utiliza bisturis.
O monte também não é o Moriá — atualmente, o santuário islâmico conhecido como Domo da Rocha ou Cúpula da Rocha fica nesse local, situada no monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém — é o HC de Ribeirão Preto, num monte também, Monte Alegre.
Meu filho não é Isaac, mas é único: tem uma irmã, Giovana, minha primogênita.
Os tempos não são os mesmos de Gênesis 22:2: estamos em pleno século XXI.
Mas o Deus é o mesmo.
A sensação de expor um filho a uma amputação, mesmo não sendo uma criança — coincidentemente está com a idade de Cristo quando foi crucificado — penso ser a mesma sentida por Abraão: pai é pai.
Mas o importante é que a fé persiste em ambos os casos.
Como é impossível compreender tudo o que o Senhor faz, inspiro-me em Jó : Deus é onipotente e ninguém pode se opor a Ele.
Não posso me desesperar.
Então, só me resta, após meus momentos de oração, deixar cair lentamente meus braços, aliviado, porque meu Rod está em mãos profissionais e competentes. Rod está salvo porque a amputação servirá para prevenir que nada de mal ocorra a ele no futuro!
Por isso, sinto-me imensamente feliz e uma onda de gratidão, antecipadamente, me invade.

Antonio Carlos Tórtoro
www.tortoro.com.br
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