LI E GOSTEI : NA COMPANHIA DA CORTESÃ

O ANÃO E A CORTESÃ

“…cortesãs, mulheres que eram conhecidas por possuírem anões, além de papagaios, cachorros e outras excentricidades”.

Por algumas semanas — enquanto percorria as quase quatrocentas páginas do romance de Sarah Dunant, Na companhia da cortesã, Editora Record —  conheci Roma, e principalmente Veneza,  nas primeiras décadas do século XVI.
Convivi com Fiammetta Bianchini, a cortesã, a prostituta, e Bucino Teodoldi, o anão, o cafetão  — personagens frutos da imaginação da autora — e estive ao lado do pintor Tiziano Vecellio e o escritor Pietro Aretino que realmente viveram em Veneza nessa mesma época, assim como com o arquiteto Jacopo Sansovino, que foi responsável pelos edifícios mais belos da Alta Renascença em Veneza, embora suas encomendas mais famosas estivessem apenas no começo nos anos em que se passa a história.
Vi Tiziano pintar um nu, o de Fiammetta, dentre os vários que realmente pintou, como por exemplo a Vênus de Urbino.
Tomei bons vinhos com Pietro Aretino, apelidado de o Flagelo dos Príncipes, e li suas cartas e sátiras que lhe angariaram tantos inimigos quanto amigos. Ele era conhecido por suas relações com cortesãs e era notável ao escrever tanto obras religiosas quanto pornografia, em particular Os sonetos ilustres, compostos para dar apoio a seus amigos Giulio Romano e Marcantonio Raimondi: um escândalo na sociedade romana em meados da década de 1520.
Visitei o gueto judeu em Veneza, percorri becos escuros, andei pelas ruas da ilha italiana de Murano, berço da arte no vidro.
Senti na pele os efeitos das poções de La Draga, uma mulher chamada Elena Crusichi que realmente é mencionada nos registros dos tribunais da época — tinha a reputação de curandeira e era parcialmente deficiente e cega.
Numa época em que viveu Niccolò Maquiavelli — um homem que foi destituído do governo e submetido ao strappado, e que usou o seu exílio para escrever um tratado sobre a arte de governar, que ele vê menos fundamentada nos ideais cristãos do que no pragmatismo —  vi desatar seu corpete a mais bela cortesã de  pele alva como um cisne e macia como seda, seios erguidos como luas cheias surgindo de um por-do-sol de veludo, exalando a fragrância do jasmim com um  quê de rosa-almiscarada.
Participei das festas de La Sensa ao lado do grande Crow, visitei o reluzente  Palácio  do Doge.
Mas o mais importante foi conhecer os sentimentos mais profundos de um anão especial, Bucino,  por meio de seus relatos vívidos e detalhados,  num romance sobre o pecado do prazer e o prazer do pecado.
“Pelos olhos ‘baixos’ de Bucino, eu passeei pelas gôndolas luxuriantes, os canais malcheirosos, as igrejas das cortesãs e me apaixonei por cada lugar. Cada palavra é tão bem pensada para nos envolver quanto cada dobra das vestes de Fiammetta é ajeitada para seduzir. Eu nunca mais vou ter a mesma ideia sobre cortesãs, cafetões e bruxas, não depois de ter penetrado tão fundo na vida deles” , como afirma a leitora Andhromeda, no conhecido site de resenhas, Skoob.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
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