UM PRESENTE PERFUMADO

THE-PRESENT

Meu filho Rodrigo venceu uma batalha contra um tumor agressivo: mas deu seu braço direito para continuar vivendo.
Ele trabalha com crianças.
E essa era nossa maior preocupação: como explicar essa fatalidade para crianças que sempre o quiseram tão bem.
E tantas foram as conversas com Rod, meu filho, que diversas foram as possibilidades de respostas, dependendo da faixa etária de cada uma das crianças.
Mas dessas conversas produzi um texto buscando colocar em palavras nossos sentimentos.
Mas ninguém o fez tão bem quanto o meu amigo, escritor com mais de cem livros publicados, e com o dom de falar às crianças, Alexandre Azevedo.
Em seu poema O Menino de Um Braço Só, esse Midas das palavras fáceis e encantadoras conseguiu traduzir em versos todos os nossos sentimentos de pai e filho.
Alexandre criou um perfume, uma essência — “e o cheiro daquelas gotinhas de perfume / Invadiam até a casa do vizinho! “ — para envolver todo o poema em um sentimento que tem tomado conta de Rod: a felicidade de poder continuar vivo e distribuir para os que o rodeiam essa felicidade, sem depressão, sem traumas, sem lamúrias
Alexandre substituiu, com sua sensibilidade à flor da pele, toda uma história dolorida de três cirurgias e um ano de dor que culminaram com a amputação de um braço em quatro versos: “Mas um certo dia, / Uma coisa terrível aconteceu: / O braço direito do Rodrigo/ Simplesmente desapareceu !”.
Alexandre, contrapondo a súbita perda do braço direito que tudo fazia, com a felicidade do braço esquerdo que passou a ter papel principal na vida do Rod, simplesmente fala de uma verdade sob um ponto de vista positivo: a existência da dualidade, os dois lados do cérebro. “Pois é assim que funciona? O lado esquerdo ajuda a nossa parte direita, / O lado direito, a parte esquerda…/ E é assim que tudo se ajeita!”.
Enfim, Azevedo, com sua arte e sensibilidade, traduziu em palavras, capazes de chegar ao coração de qualquer criança, toda uma história que poderá servir de exemplo para outras que vierem a perder algum de seus membros.
E me fez lembrar de uma outra história contada em The Present, em que um cãozinho feliz, apesar de amputado, continua, com seu exemplo, fazendo outras pessoas felizes: é o caso do meu Rod.
The Present uma curta animação que percorreu mais de 180 festivais de cinema em todo o mundo, nos quais “limpou” mais de 50 prémios. Esta curta-metragem de animação, uma das melhores que vimos nos últimos tempos, foi criada por Jacob Frey antes de terminar o curso em realização de animação no Institute of Animation, Visual Effects and Digital Postproduction do Filmakademie Baden-Wuerttemberg, em 2014.
O pequeno filme passou por vários festivais de cinema de animação do mundo, incluindo o Monstra (Lisbon Animated Film Festival), tendo sido exibido no Cinema Ideal em Junho do ano passado.
The Present conta a história de um rapaz, agarrado aos videojogos, que recebe como presente um cachorrinho que não tem uma perna. Primeiro, os dois não se entendem, com o miúdo a rejeitar o pequeno animal pela sua deficiência física. The Present é baseado numa pequena tira cómica do brasileiro Fabio Coala e é o segundo trabalho de sucesso de Jacob Frey, em colaboração com a sua colega Anna Matacz. Juntos, criaram em 2009 uma curta intitulada Bob, que percorreu mais de 250 festivais de cinema em todo o mundo (disponível no Vimeo em SD).
Finalmente, segue o presente que Rod e eu ganhamos de Alexandre.

Era uma vez um menino,
O seu nome era Rodrigo…
Um menino superbacana,
Que bem podia ser seu amigo.

Rodrigo tinha uma mania
Bem longe de ser um defeito…
É que ele usava para tudo
Somente o seu braço direito…

Com a sua mão direita
Escovava os seus dentes,
Lavava o seu rosto,
Passava pelos cabelos o pente…

E era com ela também que
Fechava o box do banheiro…
E com a mesma mão,
Abria a torneira do chuveiro…

E aí esfregava o seu corpo,
Adivinha com que mão?
É claro que você já sabe,
Nem é preciso dizer não!

E era sempre com a mão direita
Que segurava a colher de sopa…
E com essa mesma mão
Abotoava toda a sua roupa!

Mas e sua mão esquerda?
Esta nada, nadinha fazia…
Ficava do outro lado,
Naquela sua vidinha vazia…

Coitada, como sofria.
E sentia ainda mais ciúme
Quando a mão direita
Passava pelo pescoço gotinhas de perfume!

Mas num certo dia,
Uma coisa terrível aconteceu:
O braço direito do Rodrigo
Simplesmente desapareceu!

Todo mundo ficou triste,
Todo mundo preocupado,
Todo mundo menos um:
O braço do outro lado!

Era a sua oportunidade
De fazer tudo o que não fazia…
Então mãos à obra,
Era tudo o que ele queria!

Com uma certa dificuldade
Escovou os dentes do Rodrigo,
Abriu a torneira do chuveiro, dizendo:
Assim, devagar, tudo eu consigo!

E não é que conseguiu mesmo?
Nunca mais aquela mão ficou à toa !
Até escrever, ela escreveu…
E não é que a letra ficou boa ?!

E quando a mão ficava sobrecarregada,
Pedia uma ajudinha aos colegas, isto é,
À boca, aos dentes,
E, claro, também aos pés!

Quem ficou feliz também com isso
Foi o seu cérebro…Quer dizer,
O lado direito dele
Que agora tinha muito mais o que fazer!

Pois é assim que ele funciona:
O lado esquerdo ajuda a nossa parte direita,
O lado direito, a parte esquerda…
E é assim que tudo se ajeita!

Mas a hora de que sua mão mais gostava
Era quando abria aquele frasquinho…
E o cheiro daquelas gotinhas de perfume
Invadiam até a casa do vizinho!

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
ancartor@yahoo.com
www.tortoro.com.br

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