LI E GOSTEI: MINHA QUERIDA ASSOMBRAÇÃO

 

LIVROS PARADIDÁTICOS NO SÉCULO XXI: BÍBLIA, ALCORÃO E OUTROS

Estávamos quase no ano 2000: eu era Coordenador Pedagógico de um Colégio confessional católico.

O pai de uma aluna do Colegial entrou em minha sala, questionando a indicação para leitura, de uma de minhas professoras de Português. Dizia ele ser inadmissível que numa escola cristã se adotasse uma obra paradidática que falava de sexo, e que, na casa dele, só liam a Bíblia Sagrada.

Eu disse que qualquer obra literária não pode ter uma de suas partes desconectadas de um contexto, e completei dizendo que, se realmente conhecesse a Bíblica, saberia que, em Gênesis 19:30 -38, as filhas de Ló embebedaram o pai e, por duas noites consecutivas, o estupraram.

Esse pai, mais enfurecido ainda, tendo que encarar sua ignorância literária, retirou-se de minha sala, e nunca mais voltou.

Hoje, 24 anos depois, nada mudou: nem os livros paradidáticos e nem alguns pais.

Acabo de ler o livro “Minha querida assombração”, de Reginaldo Prandi, em que o sociólogo Paulo chega em casa com uma grande novidade para os filhos Francisco, Rita, Fernando e Luísa: iriam passar uma semana numa fazenda antiga do interior. Na Fazenda Velha, em Três Córregos, a família é recebida pela proprietária, dona Santa. Além de nadar no riacho, correr atrás dos bezerros e subir numa grande figueira, as crianças ouvem histórias de arrepiar contadas à noite pela anfitriã.

Lembrei-me de Monteiro Lobato e as histórias de Dona Benta, no Sítio do Picapau amarelo, lidas em tempos menos “mimizentos”.

Apesar da riqueza de informações sobre uma determinada realidade cultural, o livro fala, acreditem, de assombrações!

Novamente, temos as diversas Bíblias, quando deveríamos ter uma única que falasse aos corações de TODOS, e que não dessem margem às interpretações de grupos ou pessoais, criando dissidências: as diferenças resultam tanto de variações na seleção de textos considerados sagrados quanto nas abordagens específicas de tradução e interpretação adotadas por cada grupo.

Também temos o Alcorão, um livro que, devido a interpretações de grupos radicais (Hamas, por exemplo), é usado para     justificar a violência contra tudo e todos. Entretanto, afirmar que o Alcorão prega a violência é uma simplificação excessiva e geralmente decorre de interpretações fora do contexto histórico.

Tanto na Bíblia como no Alcorão, uma abordagem mais abrangente e bem informada revela que esses textos sagrados têm muitas dimensões em busca de um forte compromisso com a paz e a justiça.

Hoje em dia, a adoção de um livro no âmbito escolar está cada vez mais complicada. Muitas pessoas não conseguem entender o que é realidade e o que é ficção e, por isso, tentam censurar qualquer obra literária que, aparentemente, vai contra seus princípios morais ou religiosos.

Aliás, censura, hoje, no Brasil, está na moda: formas modernas de censura incluem limitações infligidas ao acesso a certos meios de comunicação, ao modo de atribuição de concessões de rádio e televisão por agências reguladoras ou a critérios editoriais discricionários, segundo os quais um jornal, por exemplo, pode não noticiar determinado fato ou conteúdo.

Lastimável, mais uma vez.

Por exemplo, quem conhece a Bíblia, sabe que existem passagens que mencionam espíritos, fantasmas e a presença de entidades espirituais: 1 Samuel 28:11-15, Mateus 14:26, Marcos 5:2-13, Lucas 24:37-39, e outras, o que pode vir a criar mal estar entre escola e pais. Mas a escola é laica: “A educação laica é a educação que não é baseada em argumentos ou dogmas religiosos, mas em regras do campo científico e literário, e estabelecidas pelo espaço público”.

Também quando assistimos novelas, vide novela Reis, na TV Record, um aviso é colocado no início de cada capítulo, apesar de serem tratados textos bíblicos: “NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 14 ANOS – DROGAS, VIOLÊNCIA E CONTEÚDO SEXUAL”. Isso mostra ser impossível fugir do contexto histórico, e correr o risco de fugir da verdade e da realidade.

Isso é um absurdo pois cabe aos pais estarem em constante diálogo com seus filhos explicando a época em que a Bíblia ou Alcorão foram escritos: não é possível, em pleno século XXI, em tempos de Internet, proteger os filhos em  uma redoma: é preciso saber diferenciar denotação de conotação a fim de propiciar aos nossos jovens uma vivência saudável com tudo que os rodeia nesse mundo real.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-Presidente da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras.
www.tortoro.com.br

 

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