LI E GOSTEI: E SE OBAMA FOSSE AFRICANO ?

MOÇAMBIQUE É AQUI

“Antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros”.

Mia Couto

Respeitadas as grandes diferenças, são muitas as semelhanças entre Moçambique e Brasil,  tendo em vista ter ocorrido por aqui o mesmo processo de colonização portuguesa ocorrido por lá, também a partir do mesmo período, ou seja, por volta de 1500: “Quando Vasco da Gama chegou pela primeira vez a Moçambique, em 1497, já existiam entrepostos comerciais árabes e uma grande parte da população tinha aderido ao Islã”.
Afirma o autor moçambicano, na nota introdutória: “Acredito que os rios que percorrem o imaginário do meu país cruzam territórios universais e desembocam na alma do mundo. E nas margens de todos esses rios há gente teimosamente inscrevendo na pedra os minúsculos sinais da esperança”, referindo-se ao  O guardador de rios, texto com o qual inicia a obra.
É esse o sentimento que fica quando conhecemos um pouco mais do povo africano, levados pelas mãos de Mia Couto — em E se Obama fosse africano? , ensaios ( “interinvenções”, segundo o autor)  publicados pela Companhia Das Letras.
Com rigor intelectual, aguda capacidade de observação e uma verve de polemista que não exclui a serenidade e a tolerância, Mia ataca sistematicamente aqueles que considera os maiores entraves (os sete sapatos sujos) para a solução dos problemas e impasses na África. Na sua intervenção em Maputo, intitulada Os sete sapatos sujos — que faz lembrar Os sete saberes necessários à Educação, de Morin — fica mais claro o que quero dizer: “À porta da modernidade precisamos de nos descalçar. Eu contei sete sapatos sujos que precisamos de deixar na soleira da porta dos tempos novos. Haverá muitos. Mas eu tinha que escolher, e sete é um número mágico”, escreve o autor sobre seu país, e relaciona/comenta em 24 páginas — numa prosa saborosa, plena de humor e de referências literárias — o resultado, para qualquer país, pelo uso dos sapatos sujos:
Primeiro sapato: a ideia de que os culpados são sempre os outros e nós somos sempre vítimas. Segundo sapato: a ideia de que o sucesso não nasce do trabalho. Terceiro sapato: o preconceito de que quem critica é um inimigo. Quarto sapato: a ideia de que mudar as palavras muda a realidade. Quinto sapato: a vergonha de ser pobre e o culto das aparências. Sexto sapato: a passividade perante a injustiça. Sétimo sapato: a ideia de que, para sermos modernos, temos que imitar os outros.
Enfim, “à exceção do artigo que dá título ao volume, todos os outros são transcrições de palestras e comunicações do autor em vários eventos ocorridos na África, Europa (Estocolmo, Aveiro, Faro ) e Brasil (São Paulo,Belo Horizonte) . Por meio deles, Mia Couto intervém de modo inventivo nos debates mais candentes sobre o destino dos povos africanos e suas culturas.
Os temas são os mais variados: das queimadas na savana ao hip hop moçambicano, da relação do Português com as línguas nativas à violência doméstica nas cidades e aldeias, da corrupção endêmica no continente à influência de escritores brasileiros nas letras luso-africanas.
No artigo sobre o imaginário Obama africano, Couto especula sobre as dificuldades que ele enfrentaria no continente para chegar ao poder e, principalmente, para exercê-lo de modo eficiente e democrático”
Para finalizar, vale a pena conhecer mais esse trabalho de um dos principais escritores africanos da atualidade, comparado a Garcia Márquez, Guimarães Rosa e Jorge Amado, e descobrir  que não só o Haiti , de Caetano Veloso, é aqui.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_11693-1

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