ARTIGO: ATIREI AZITROMICINA NO GATO-TO-TO

ATIREI AZITROMICINA NO GATO-TO-TO

 

“Atirei o pau no gato-to-to. Mas o gato-to-to. Não morreu-reu-reu”.

                                                        Música infantil

 

A noite era abafada, de céu nublado por uma camada densa de nuvens de fumaça com fuligem de cana, resquício das queimadas criminosas que assombravam a região.

Do telhado dos meus pulmões, vinha um som inesperado do que me pareceu ser de uma discussão entre um gato raivoso e um bebê recém-nascido: ele interrompeu meu sono, e a aparente quietude da noite foi quebrada pelos movimentos barulhentos sobre meus alvéolos pulmonares.

Cada vez que o bebê emitia um grito, o gato reagia, aumentando o ruído assustador em meio à ameaça sufocante da fumaça e calor que dominavam o exterior de minha residência.

O clima não dava trégua, e o desconforto só aumentava à medida que os sons se fundiam na noite, compondo uma sinfonia dissonante.

Entre o desespero do recém-nascido em disputa com o felino, o cenário parecia reflexo do próprio desequilíbrio que tomava conta do ambiente: uma natureza em luta constante, seres vivos em alerta, todos afetados pela destruição silenciosa das queimadas.

Naquela noite de céu nublado e de incertezas quanto ao futuro, cada som carregava o peso de um mundo ferido e confuso, onde até os menores seres pareciam se confrontar com a brutalidade à sua volta.

No noticiário, a utilização de armas de brinquedo com balas de gel, criavam um clima de “guerra” no meio da população desprotegida.

Resolvi então criar a minha  “guerra”, dentro de outra “guerra”: a no telhado dos meus pulmões, e passei a atirar comprimidos de azitromicina, no gato raivoso e agitado — adquiridos com receita da clínica geral da Hapvida, e indicado para casos iniciais de pneumonia.

Mas penso que atingi também o recém-nascido, porque o ruído parou após algumas horas.

Em tempo: a poluição lá fora continuava a mesma, na esperança de que um dia a chuva viria nos salvar: o que não será possível ocorrer somente com tiros de Azitromicina.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras
www.tortoro.com.br
ancartor@yahoo.com

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