LI E GOSTEI: HONRA TEU PAI

QUEBRA DA OMERTÀ ?

“ Metade do que faturava com a venda de drogas era entregue a policiais civis e militares”

Traficante Nem para “O Globo”

Joseph “Joe Bananas” Bonanno — que controlava uma das chamadas Cinco Famílias de Nova York  — ao ler o livro Honra teu pai, lançado em 1971, imaginava que poderia deixar de ser respeitado no mundo da contravenção por  ter um filho (Salvatore “Bill” Bonanno) que, ao conversar com o autor , Gay Talese, violara o tradicional código de silêncio da Máfia conhecido como omertà.
A frase em epígrafe é a frase final de um livro que começou a ser escrito devido ao constrangimento do pai do autor, nascido na Itália, com o fato de gângsteres com nomes italianos dominarem invariavelmente as manchetes dos jornais e a maior parte dos noticiários da televisão referentes ao crime organizado.
Talese — repórter do jornal The New York Times — ao buscar informações ( em sete anos de pesquisa)  para escrever o livro estava mais interessado em como os homens da Máfia passavam as horas de ócio que, sem dúvida, dominavam a vida deles, no papel de suas mulheres, em suas relações com os filhos.
E, dessa forma, o autor nos leva a viver dentro da família Bonanno, transmitindo ao leitor a complexidade de ser um Bonanno, a atmosfera especial que reinava em casa, o efeito do passado sobre o presente.
Realmente, Honra teu pai foi o primeiro livro de não ficção a penetrar na sociedade secreta Máfia: é uma oportunidade de conhecermos o outro lado da história oficial lida em jornais e revistas, obtida de fontes do governo federal e da polícia,  e entender a citação de Bill, publicada pelo Los Angeles Times em seu obituário: “Quando eu acordava de manhã, minha meta era viver até o pôr- do-sol. E, quando a noite caia, minha segunda meta era viver até o amanhecer”.
Partindo do sequestro de Joseph em 1964, o livro remonta à origem do clã Bonanno e descreve, de forma objetiva e despida de romantismo, a ascensão do patriarca que, aos 26 anos, já controlava uma das grandes famílias da Máfia italiana de NY.  Ao mesmo tempo, mostra em detalhes o impasse que surge após o sequestro de Joe,quando Bill, diante do vácuo de poder deixado pela ausência do pai, se vê emaranhado num embate (sangrenta guerra entre mafiosos)  pelo controle da própria família.
Seguem algumas das especulações sociológicas dos Bonanno:
“Os mafiosos não passavam, na verdade, de servidores de uma sociedade hipócrita, eram intermediários que proporcionavam os prazeres e as fugas que o público exigia e a lei proibia”.
“ Quando a Máfia se extinguir, dentro de uma ou duas gerações, época em que os netos dos mafiosos terão aprendido a arte de sonegar impostos e de tirar partido de artifícios legais nas grandes companhias americanas, os postos-chaves no crime organizado, que constitui uma espécie de serviço público de casta mais baixa, serão ocupados por gângsteres latino-americanos ou negros, que já têm o controle do degrau mais baixo da hierarquia do crime, o trafico de drogas”.
“As despesas operacionais de Al Capone também eram altas; entre elas incluía-se um total estimado de 15 milhões anuais em contribuições para a polícia de Chicago e autoridades municipais e estaduais”.
“Em qualquer confrontação com a nova geração, os homens de Bill colocavam-se curiosamente ao lado do “sistema” — o governo, a polícia, “a lei e a ordem”  — embora julgassem o governo falho, hipócrita e autoritário, e achassem que a maioria dos políticos e policiais era mais ou menos corrupta porque, pelo menos a corrupção era uma coisa que podia ser compreendida e enfrentada”.
“Era uma época bizarra, um período em que o país parecia ser puxado de um lado para outro pelas forças gêmeas que lhe são peculiares, a violência e o puritanismo, equilibradas pela hipocrisia “.
Segundo  Pete Hamill : Esse livro constitui um documento essencial no projeto de conhecer o século XX americano. Relendo-o, lembrei-me das palavras do magnífico escritor Ítalo Calvino: “Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira”.

 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO70_11695-1

Li e gostei, LITERATURA