AS ÁGUIAS DE ELY
“ Já se comparou a criação literária com águias, que, soltas, não se sabe onde pousam. Mas pousam.”
No início de novembro recebi um WhatsApp do meu ilustre amigo, Cezar Batista, membro da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras, que me perguntava se eu conhecia o livro O Pouso das Águias, escrito em 1989, da saudosa Ely Vieitez Lisboa, quando ela ainda era Ely Vieitez Lanes.
Naquele momento tinha início o pouso de duas águia especiais em minha biblioteca particular.
Após uma semana, recebi de presente, pelo correio um envelope com dois livros, um da Ely que meu irmão Cezar adquiriu no freebook, em um estande do Posto Policial, na Fiúsa (O Pouso das Águias) , e, outro, de sua autoria (Pequenas Estórias).
No caso do livro da Ely, quero dizer que, ler textos de uma pessoa querida, que já partiu, é como reencontrá-la em um momento de profunda intimidade. As palavras dela permanecem vivas, carregadas do jeito diferenciado e, dos pensamentos que nos eram tão familiares. É como se, ao ler, mergulhássemos em uma conversa além do tempo, onde a presença dessa pessoa volta a nos preencher, como se nunca tivesse partido.
Cada frase lida traz de volta o som da sua voz, o calor das suas reflexões, as emoções que compartilhávamos. E, de alguma forma, o texto se torna um elo eterno, uma forma de nos reconectarmos: é como se eu estivesse conversando com Ely, como nos velhos tempos. Ela mesmo diz no conto O Túmulo da Quadra 12: o mundo ao nosso redor é mágico, estranho, eterno, regido por leis imutáveis, desvelando-se aos poucos por sutis mensagens — iguais aquela em que Cezar resolveu lembrar-me de uma obra de Ely — como se ela quisesse falar comigo Do Lado de Lá.
Mesmo com a ausência física, a lembrança dessa pessoa nos alcança e nos consola, pois, nas palavras que deixou, é como se ela continuasse a nos abraçar e a nos acompanhar em nossa caminhada.
No conto Reencontro, reencontrei Ely e andamos pelos espaços do antigo Colégio Santa Úrsula: freirinha minúscula na porta; dois pés de manacás transbordando de branco e roxo, inundando o ar de um cheiro adocicado; caramanchão sem fim, mangueiras centenárias: chego a ouvir ao lado dela “Le Lac de Côme”.
No livro, não faltou a menção ao Flamboiã, tão querido por ela, que enfeita a paisagem quando mal começa o mês de novembro.
Enfim, ler Ely é ficar com gosto de quero mais, é entrar em sobrados e cemitérios assombrados, é sentir o cheiro de flores, é tornar-se um com Amork e seus cães, é viver entre árvores frondosas, borboletas, igarapés e raios de sol , é mergulhar num mundo surreal de magia, é perceber a força implícita do sexo na vida das mulheres exploradas no conto Tutaméia ou no conto A Flor Amarela, é ver a vida sendo um “suplício sádico e absurdo” em Parábolas, é saber que na vida sempre haverá um “Poço do Diabo” ao lado do paraíso.
Enfim, ler contos da Ely é penetrar em um Universo poético, que enfoca sempre a dimensão mágica das coisas, é viver uma realidade sem fronteiras, dentro do realismo fantástico.
Ave Cezar !!!! Obrigado pelo presentão.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL– Academia Ribeirãopretana de Letras
www.tortoro.com.br
ancartor@yahoo.com