IMPERADOR ADRIANO: DE OLHOS ABERTOS
“Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos”
Imperador Adriano
Lendo o livro “Limites da Compreensão” do meu amigo/irmão de Londrina, Roberto K. Heringer — no qual ele faz breve, mas apaixonada, menção à frase em epígrafe neste meu artigo, retirada do livro de Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano — procurei ler essa obra, digna, no entender de muitos leitores, de um Prêmio Nobel de Literatura.
Nos meus setenta e cinco anos de idade, e já começando a pensar na minha morte, entendo que Marguerite Yourcenar usa essa ideia, mencionada em epígrafe, para transmitir uma mensagem que transcende o personagem histórico: o convite a todos nós para vivermos e morrermos com plena consciência, reconhecendo que a mortalidade é o que dá significado à vida.
A frase “entrar na morte com os olhos abertos” em “Memórias de Adriano” reflete, a meu ver, uma postura de aceitação consciente e corajosa diante da inevitabilidade da morte. Para Adriano, isso significa não apenas reconhecer o fim da vida, mas também enfrentar esse momento com lucidez, sem fugir, negar ou temer o desconhecido.
Adriano quer encarar a morte de maneira racional, consciente do que está acontecendo, sem ilusões ou desespero. Ele não busca refúgio em esperanças de imortalidade ou mitos, mas aceita a morte como parte natural da existência. Esse desejo demonstra sua busca por viver e morrer com dignidade.
“Olhos abertos” pode, também, simbolizar uma vontade de compreender a experiência final da vida, enxergando-a como um evento profundo, parte do ciclo universal. Em vez de ver a morte como um inimigo ou um castigo, Adriano a encara como uma transição inevitável que pode ser observada e entendida.
A frase reflete a visão estoica e epicurista que permeia as reflexões de Adriano. Ambos os sistemas filosóficos valorizavam a aceitação do destino e da finitude humana. Adriano demonstra uma coragem que rejeita o medo irracional da morte, tentando compreender seu significado sem lamentações.
“Entrar na morte com os olhos abertos” também pode sugerir que Adriano deseja deixar este mundo sem se enganar, sem fantasias reconfortantes ou falsos consolos. Ele quer se despedir da vida de forma honesta, ciente tanto de suas grandezas quanto de suas limitações.
Essa frase, enfim, resume a filosofia de Adriano, que valoriza a vida como uma jornada rica em experiências, mas também finita. Para ele, a morte não deve ser temida ou negada, mas sim compreendida e aceita como o encerramento natural de uma existência bem vivida.
Carl Sagan disse que “Somos a única espécie no planeta, até onde sabemos, que inventou uma forma de memória comunitária que armazena além dos nossos genes. O armazém dessa memória é chamado de biblioteca. Um livro é feito de uma árvore. Basta olhar para ele e você ouvirá a voz de outra pessoa, talvez alguém morto há milhares de anos. Ao longo dos milênios, o autor está falando, clara e silenciosamente, dentro da sua cabeça, diretamente para você. A escrita é talvez a maior das invenções humanas, unindo pessoas, cidadãos de épocas distantes que nunca se conheceram. Os livros quebram as algemas do tempo, prova de que os humanos podem fazer magia.”
Memórias de Adriano é uma magia belíssima de Yourcenar.
Segundo o jornalista da Folha, João Batista Natali, “Pouco antes de morrer, o imperador Adriano, Pontifex Maximus dos territórios romanos entre 117-138d.C., decide escrever uma longa carta-testamento ao jovem Marco Aurélio, o futuro imperador-filósofo. Nela Adriano passa em revista os principais episódios de sua extraordinária existência: a relação de afeto com a mulher de Trajano, Plotina; as campanhas militares em diversas regiões da Europa; as viagens à Ásia Menor; a paixão pela caça; as discussões filosóficas com os principais pensadores do seu tempo; as relações com Trajano, seu antecessor; e o casamento com Sabina.
No entanto, não são as façanhas públicas e heróicas que constituem o centro vital do relato do velho imperador, mas seu amor pelo belo jovem grego Antínoo, que se matara no auge do esplendor físico. A partir dessa perda, Adriano se interroga sobre o destino, a precariedade da vida e da inevitabilidade da morte, que não poupa senhores nem escravos. “Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos”, escreve o imperador em seus últimos dias, seguindo os preceitos da filosofia estoica que sempre o nortearam.
Lançado em 1951, este romance de Marguerite Yourcenar consumiu quase 30 anos de pesquisas e logo se tornou um clássico da literatura moderna. Poucas vezes uma experiência histórica específica — a biografia de um homem ilustre e o prenúncio da decadência de Roma — foi transformada pela ficção de modo tão vivo quanto nestas Memórias de Adriano.
Há imperadores romanos com biografias dignas de ser escritas e muitas formas de biografar qualquer um deles. Mas Marguerite Yourcenar, ao se aproximar de Adriano, o fez de forma delicada, nas primeira pessoa, encarnando o personagem histórico e envolvendo-o com um novelo belo e preciso de palavras de ficção.
Memórias de Adriano não é apenas a simulação de uma autobiografia. É também, talvez, a mais bem-sucedida iniciativa do gênero na história da literatura. Adriano deixa de ser o pretexto para uma liberdade poética: Yourcenar não inventa, ela o recria por meio de uma linguagem que não trai em momento algum a história de Roma ou a vida pessoal de um de seus dignitarios.
Personagem real e pretexto para um narrador fictício, o imperador de Yourcenar tem como foco pontos diferenciados num grande horizonte: No horizonte político, discorre sobre o abandono do expansionismo belicoso do antecessor, Trajano, e sobre a consolidação das fronteiras do Império. No horizonte cultural, sua paixão compulsiva pela herança helênica, sua obsessão em deixar sua marca no desenho das cidades e nos monumentos que as enfeitariam. E, por fim, no horizonte amoroso, seu apego homoerótico por jovens favoritos e as intensas paixões que eles sucessivamente despertam.
O Adriano de verdade viveu há 19 séculos. Yourcenar estava entre nós até bem menos que isso. Temos hoje, como produto, o precioso encontro entre eles”.
Segue abaixo o último parágrafo do livro, e deste meu artigo:
“Pequena alma, alma terna e inconstante, companheira do meu corpo, de que foste hóspede, vais descer àqueles lugares pálidos, duros e nus, onde deverás renunciar aos jogos de outrora. Por um momento ainda contemplemos juntos os lugares familiares, os objetos que certamente nunca mais veremos…Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos…”
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras.
www.tortoro.com.br
ancartor@yahoo.com
COMENTÁRIO(S) SOBRE O ARTIGO ACIMA:
Muito bom, Tórtoro. De olhos abertos, aceitando morte, dissabores, fronteiras… conhecendo limites e respeitando limites – externos e internos. Adriano delimitou o Império Romano quando construiu a Muralha, pois sabia que não precisava ir além: enxergou lá longe, sem ter sentido a necessidade de conquistar mais. Aceitou os limites e as limitações dos confrontantes. Belo artigo, Tórtoro: inspirador. Tenho o livro em meu escritório, mas ainda não o li. Seu artigo é um estímulo para que eu o faça. Obrigado por isso.
ELIAS ANTONIO NETO – Presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras.
Texto forte e instigante. Espero ser forte e iluminada para enfrentar a morte de olhos abertos. Será?
Abraço da amiga.
RITA MOURÃO – Membro da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras
Li seu artigo memórias de Adriano
– viveu intensamente
– medo da morte pq?
– nós ,com pequenos sonhos ,tememos a morte pq teimosamente continuamos a sonhar!
Linguagem rica e fluida
Vamos aprendendo
Parabéns!!!!
MARIA INÊS PEDROBOM – Professora e grande amiga
Caramba…Me impactou!
ANGELA ATHAYDE – grande amiga