ARTIGO: O PONTEIRO E A MOSCA

 

O PONTEIRO E A MOSCA

O estresse, como doença do tempo, destrói a qualidade de vida do indivíduo.

Numa manhã qualquer em tempos de quaresma, o velho professor com seus quase 80 anos, observou o relógio na parede.

O ponteiro dos segundos corria sem descanso, como se zombasse da lentidão dele: e o fez lembrar-se do coelho de Alice.

O tempo, sempre impiedoso, levava consigo pedaços dele, memórias que se desfaziam como névoa: sentiu saudades de tudo, inclusive de si mesmo.

Num impulso que nem ele compreendeu, ergueu a mão, arrebentou o vidro do relógio e agarrou o ponteiro.

A inquieta presa tremia entre seus dedos como um pássaro aprisionado.

O tempo parou naquele instante.

O silêncio era absoluto. Nenhum pássaro cantava, nenhuma folha se movia lá fora. O mundo congelou.

“Parei o tempo”, pensou, e um arrepio percorreu sua espinha.

Mas eis que uma mosca atrevida pousou em seu nariz. O incômodo fez com que ele soltasse o ponteiro: deu um tapa no vazio que o atormentava.

E o maldito ponteiro retomou seu percurso com fúria, rumo ao incerto futuro, girando, zombando dele, da sua angustia existencial.

O tempo, agora vingativo, voltou a correr para recompor o tempo perdido, como um rio sem margens.

O velho mestre teve vontade de chorar, mas escondeu as lágrimas no recôndito da alma.

Chorar não mudaria seu destino.

Cronos, impassível, seguiu sua sina, e ele, um idoso tolo, seguiu a sua, sob o efeito das dezenas de comprimidos de Aciclovir, combatentes incansáveis contra a maldita herpes-zoster que tentou tomar conta dele devido a um estresse…e a idade.

ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da |ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras.
www.tortoro.com.br
ancartor@yahoo.com

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