SÍSIFO E O PONTEIRO MAIOR DO RELÓGIO
“Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente”.
Albert Camus, O mito de Sísifo
O ponteiro maior do relógio — esse que marca, com precisão implacável, os minutos — passou a inquietar-me, a provocar-me, desde que minhas caminhadas matutinas tornaram-se parte fundamental dos meus dias.
Da mesma forma que Sísifo, condenado a empurrar eternamente sua rocha montanha acima, vejo nesse ponteiro uma metáfora viva: ele trabalha sem cessar, sempre seguindo em frente, completando voltas infinitas sem jamais descansar.
Quando inicio minha caminhada, sempre a partir das 9 horas, percebo que o ponteiro maior desce rapidamente até o número 6. A primeira metade do trajeto passa veloz, como se o ponteiro corresse livre, sem peso, sem esforço. Mas, ao olhar novamente, percebo que a verdadeira provação ainda está por vir: a subida final, do número 6 até o 12.
Essa segunda parte, embora igual em distância, o ponteiro parece carregar uma rocha invisível, tornando-se penosa, lenta, arrastada a caminhada.
Enquanto meu corpo septuagenário já acusa o cansaço, o relógio insiste em me mostrar que ainda há minutos a serem cumpridos. São apenas trinta minutos reais, mas, sob o peso do tempo e do esforço físico, transformam-se na mais longa das horas.
E assim sigo, todos os dias, aceitando minha sina de Sísifo do século XXI, continuo minha caminhada, ciente de que não há outra escolha senão seguir adiante, enquanto meus músculos ainda me permitem mover-me, resistir, persistir.
O ponteiro maior e eu: dois trabalhadores incansáveis, eternos caminhantes presos à roda do tempo, um empurrando os minutos, o outro enfrentando, passo a passo, o desafio da existência.
E que assim seja, até o meu fim.
ANTONIO CARLOS TÓRTORO
Ex-presidente da ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras
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