UMA EPOPEIA DA MASTURBAÇÃO
“A primeira coisa que vejo numa paisagem não é a flora — é a fauna, a oposição humana, quem está comendo quem”.
Alex Portnoy
Sobre O complexo de Portnoy, de Philip Roth, da Companhia das Letras — lançado em 1969 e reeditado no Brasil em comemoração aos 35 anos de seu lançamento — posso dizer que :
Para alguns será uma leitura que levará a um desconforto causado pela centralidade do autoerotismo no enredo: masturbação, definitivamente, não seria matéria apropriada para um romance com pretensões artísticas.
Para outros, é uma grande diversão: “Deliciosamente engraçado. Absurdo e exuberante, desatinado e impagável. Uma experiência de leitura extraordinariamente viva” , segundo o New York Times Book Review
Mas, para o leitor que desejar conhecer uma ponte entre duas épocas, é uma verdadeira joia.
No divã do psicanalista, Alexander Portnoy — um jovem e bem-sucedido advogado nova-iorquino — tenta resolver os problemas sexuais que o atormentam, passando em revista toda sua existência — masturbações na cama, no banheiro, no cinema, simulação de sexo com maçãs furadas, garrafas de leite e fígado cru . Sua narrativa, dominada pela figura da mais terrível “mãe judaica” que se pode imaginar — Sophie, superprotetora, histérica, exagerada e hipocondríaca , cabeça e chefe da casa, controlando cada aspecto da vida de todos na família — é uma sucessão de peripécias de comicidade irresistível — quando arruma uma namorada linda, ela é ignorante e analfabeta; quando conhece uma moça inteligente, ela é ruim de cama ou cristã demais. Três décadas depois, essa verdadeira “epopeia da masturbação” ( nas palavras de Erica Jong), que chocou e deliciou o público norte-americano no final dos anos 60 — ano de 69, com os EUA vivendo a efervescência da disputa entre emergentes hippies e os defensores da moral e dos bons costumes — revela-se muito mais do que o documento de uma época em que todos os tabus morais pareciam cair por terra.
Segundo a epígrafe, Complexo de Portnoy é um quadro mórbido caracterizado por fortes impulsos éticos e altruísticos em constante conflito com anseios sexuais extremos, muitas vezes de natureza pervertida: uma forma de retribuir a opressão sofrida. Segundo Spielvogel ( psicanalista de Portnoy) , “atos de exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, autoerotismo e coito oral são abundantes; em consequência da ‘moralidade’ do paciente, porém nem as fantasias nem o ato geram gratificação sexual genuína, mas sim sentimentos avassaladores de vergonha e temor de punição, em particular sob a forma de castração “. Alex desabafa : “a chave do que determinou minha personalidade, é o que me faz viver neste estado, torturado por desejos que repugnam minha consciência, e uma consciência que repugna meus desejos”. Spielvogel propõe que muitos dos sintomas remontam aos vínculos que se formam no relacionamento entre mãe e filho.
Jonas Lopes faz o seguinte comentário sobre o autor : Roth usa o humor da melhor forma que se pode fazer, usando a ironia de forma cruel, com sarcasmo picante, como convém a um judeu. Mal comparando, Philip Roth é uma espécie de Wood Allen da literatura , igualmente hilário e profundo.